Desafios do Imposto sobre Grandes Fortunas

9 de novembro de 2019 às 0h01

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Segundo posicionamento da Receita, graduação passa pela criação da CBS e alterações no IPI | Crédito: Charles Silva Duarte/Arquivo DC

Jackson Bittencourt *

Tributar grandes fortunas sempre foi assunto controverso; alguns alegam se tratar de uma mera política para tirar dos ricos para dar aos pobres – o que está longe de ser verdade.

Com o objetivo de evitar a concentração de renda, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está previsto na Constituição, mas nunca foi regulamentado e aplicado. Na proposta, o contribuinte possuidor de grande fortuna pagaria uma alíquota progressiva de imposto.

Mas essa tributação funcionaria? Políticas públicas não teriam o mesmo efeito para evitar a concentração de renda? Vamos às evidências. Em 2019 a desigualdade de renda alcançou o maior patamar desde 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre).

No Brasil o índice de Gini, um instrumento de medição de desigualdade que varia entre zero e 1 (quanto mais próximo de 1 maior a concentração, neste caso, da renda), tem sido em torno de 0,55 nas últimas décadas – um Gini entre 0,2 e 0,4 representa baixa concentração de renda, e acima de 0,6 alta concentração. A Noruega, por exemplo, apresenta um Gini de 0,26, o Japão de 0,32 e os Estados Unidos de 0,41.

Já nos últimos sete anos, com a ajuda da recessão entre 2015 e 2017, a renda acumulada dos mais ricos aumentou 8,5% enquanto a dos mais pobres reduziu 14%. Portanto, parece que políticas públicas e até mesmo o próprio Imposto de Renda (IR) não estão sendo eficazes.

Recentemente a Receita Federal divulgou o relatório sobre detalhamento do IR e, por meio da “Pirâmide do IR”, pode-se observar que os brasileiros mais ricos possuem mais isenções e pagam, em termos proporcionais, menos Imposto de Renda do que os menos ricos. Os resultados da métrica demonstram não apenas uma alta concentração de renda, mas também uma concentração de isenções entre os mais ricos: as cinco faixas do topo da pirâmide, com rendimentos maiores que 60 salários mínimos por mês, somam 320 mil brasileiros, 1,1% do total, concentrando 22% de todos os rendimentos declarados.

Do total de R$ 2,94 trilhões de rendimentos declarados (2018), 31% correspondem a rendimentos isentos de IR, como lucro e dividendos. E desse valor, quase metade ficou concentrada nas últimas cinco faixas da pirâmide. Na última faixa do topo, o percentual de renda isenta chega a 70%. Isso é, no mínimo, um escândalo.

Como mencionado, os rendimentos provenientes de lucros e dividendos recebidos pelas pessoas físicas são isentos de tributação em nosso país. Logo, tributar grandes fortunas não se trata de bitributação, como alguns defendem. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), países como Alemanha (26,4%), Austrália (25,0%) França (44,0%) e Chile (40,0%) tributam dividendos nestes percentuais.

Você pode até argumentar que a França, com expressiva tributação sobre dividendos, é um país cujas políticas apresentam forte apelo social, mas como explicaria nosso vizinho neoliberal o Chile?

Hoje, o sistema tributário é muito mais generoso com a tributação do capital do que com o trabalho: criamos um sistema concentrador de renda e precisamos, de forma justa e transparente, reverter tal externalidade negativa em nome do progresso de nossa nação.

*Economista, doutor em Economia Regional e Coordenador do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

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