EDITORIAL | A ameaça para todos

25 de outubro de 2019 às 0h02

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Crédito: Edgard Garrido/Reuters

Os acontecimentos recentes no Chile, em que o presidente Sebastian Pinera chegou a identificar estado de guerra, lembram as manifestações no Brasil em 2013, igualmente desencadeadas a partir do reajuste das tarifas do transporte público. Chama atenção, no entanto, a violência das manifestações, assim como da repressão, num grau que felizmente não aconteceu no Brasil. Independentemente dessas primeiras considerações, fruto de mera observação, cumpre apontar algum grau de surpresa com os acontecimentos, tendo em conta que nos últimos anos muitos apontaram o Chile como uma espécie de modelo para a América Latina, o país que deu certo a partir de reformas liberais, também apontadas como modelo e, de alguma forma, vistas com uma ponta de inveja do lado de cá da Cordilheira dos Andes. Ainda hoje, no Brasil, nos altos escalões da administração federal e entre empresários, não são poucos os que acreditam enxergar no país vizinho o modelo dos sonhos.

Os acontecimentos mencionados sugerem que permanecem distorções que já não são suportadas ou toleradas. Bastaria avaliar o estopim da crise atual, em que a revogação do reajuste para as tarifas do metrô não bastou para acalmar os ânimos num país em que os mais pobres consomem até 20% de sua renda com transporte coletivo e 30% da riqueza nacional está em mãos de apenas 1% da população. Tamanha diferença tem, em primeiro lugar, uma dimensão humana que muitos preferem não enxergar ou se comportam como se não lhes dissesse respeito. No Chile, tão decantado, e em muitas outras partes de nosso atormentado planeta. Mas a questão pode ser vista de outra forma, fria e pragmática.

É fato objetivo, sem que precisem ser lembradas teorias econômicas ou políticas, que a concentração da renda, que é também fenômeno global, não produz apenas instabilidade, injustiças ou riscos que não são desejáveis. Essa realidade implica diretamente em redução do poder de compra, portanto encolhe mercados, acabando por afetar os negócios, num círculo perverso que, houvesse bom senso, não deveria interessar a ninguém. Atravessando o Atlântico, seria a mesma coisa que perguntar aos parisienses se preferem continuar recebendo milhares de refugiados do norte da África ou se não seria mais interessante criar condições econômicas e sociais para que essa gente possa voltar, com dignidade e condições de sobrevivência, à sua terra, às suas casas.

Estamos falando do Chile, que está no centro das atenções, mas na verdade queremos falar da ausência de bom senso, de racionalidade, potencialmente uma ameaça para todos.

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