EDITORIAL | O silêncio revelador

6 de novembro de 2019 às 0h02

img
Crédito: Lucas Landau/Reuters

Há dois meses, pouco mais, resíduos de petróleo pesado dão às costas brasileiras, de São Luís, Maranhão, até Salvador, Bahia, e mais abaixo, num processo que, a princípio, não parece ter fim nem lógica. Um acontecimento, pelas proporções, único, sem paralelos ou referências passadas, e para o qual, respostas começam a surgir, frutos de investigações da Marinha brasileira e de outros organismos, à primeira vista sustentando a culpabilidade de um petroleiro grego, o único que navegava no ponto onde ocorreu o suposto derramamento. Por enquanto, nada positivado e, enquanto os armadores sustentam que o barco navegou em condições de absoluta normalidade, autoridades brasileiras pedem socorro a organismos internacionais, na expectativa de dar substância às suas primeiras conclusões.

Um navio navegando em alto-mar, fora das águas brasileiras, e despejando óleo por qualquer motivo não teria capacidade, e por tanto tempo, de ser invisível. Da mesma forma num navio afundado, cujos tanques depois de décadas tivessem se rompido pela corrosão. Difícil também imaginar qualquer tipo de sabotagem, conforme chegou a ser aventado. Um navio pirata, sem os sinalizadores hoje obrigatórios, definitivamente não conseguiria permanecer invisível por tanto tempo.

O tempo passa, as perguntas são muitas e as respostas limitadas, embora já haja quem aponte o desastre como o mais grave já ocorrido nas costas brasileiras. É preciso, claro, atacar o problema como está sendo feito, com limpeza das praias e recolhimento do material, tarefa absolutamente difícil, mas impositiva, além de bem realizada. Tal esforço, no entanto, não é menos importante ou urgente do que determinar o que aconteceu e, à semelhança dos acidentes aéreos, menos para descobrir culpados e mais para aprender, para evitar que coisas assim se repitam, para assegurar que os prejuízos sejam reparados.

Afinal, sabemos que o planeta, ou os oceanos, é esquadrinhado 24 horas por dia por dezenas de satélites de vigilância, capazes de identificar, no detalhe, qualquer navio, em qualquer lugar. Tudo isso representa um conjunto probatório que não há como colocar em dúvida ou contestar, como já procuram fazer os armadores envolvidos. Até porque, e vale lembrar, até agora não surgiu qualquer outra evidência capaz de ajudar a compreender o sucedido.

No Golfo do México, em que o vazamento aconteceu a partir de válvulas submersas, o estrago produzido gerou indenizações que chegaram a vinte bilhões de dólares e até hoje foram pagas apenas parcialmente. No caso em tela, e uma vez dado por apurado acidente e os seus responsáveis, muito provavelmente as indenizações seriam ainda maiores. Quem sabe, riscos suficientes, dinheiro suficiente para explicar o silêncio geral diante de um desastre maior e mais grave que as queimadas na Amazônia, transformadas da noite para o dia em escândalo mundial.

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail