Esses moços…

24 de julho de 2021 às 0h10

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Crédito: Freepik

“Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei…” (Lupicínio Rodrigues)

Navegar pela internet é o passatempo predileto de um bocado de viventes. A entusiástica disposição que impele tanta gente a singrar essa vastíssima massa oceânica de informações, em constante expansão que nem o universo, confere sentido à lírica recomendação de Fernando Pessoa, endereçada a homens resolutos, de que “navegar é preciso”. Os navegadores topam pela frente toda sorte de descobertas. Algumas interessantes, outras úteis como orientação de vida.

A historieta que chega pelo correio eletrônico comunica rica lição. Foi colhida na excursão de um internauta. Em razão de seu saboroso conteúdo, não resisti à tentação de reproduzi-la, para reflexão de meu reduzido, posto que assíduo, leitorado.

Seguinte: discorrendo sobre o conflito de gerações, o cientista inglês Ronald Gibson abriu uma conferência, citando quatro frases:  1ª) “A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus.”; 2ª) “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país, se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.”; 3ª) “O nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.”; 4ª) “Esta juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente… A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura.”

Concluída a leitura, o expositor provocou o público com relação aos conceitos expendidos nas frases. Satisfeito com a aprovação dada às palavras, resolveu, então, revelar a origem de cada uma das frases. A primeira é de Sócrates (470-399 a.C.). A segunda é de Hesíodo (720 a.C.). O autor da terceira é um sacerdote que viveu no ano de 2000 a.C. A quarta é texto extraído de um vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia, contando, portanto, com 4000 anos de existência.

Tais registros dispensariam, à primeira vista, comentários. O impacto das frases, considerada a sua localização no tempo, já é estupendo comentário. A “juventude desenfreada” de eras remotas ganhou rótulos parecidos milênios adiante. Virou juventude rebelde, juventude transviada, juventude perdida. O vezo de se jogar sobre ombros moços a culpa toda pelo incessante desvario dos seres humanos varou os tempos, passando de uma para outra geração. É um jeito maroto que muitos, entre os mais velhos, encontraram de se livrar das acusações da própria consciência quanto aos malfeitos produzidos com seu concurso direto ou indireto.

Cada geração costuma ser alvo de condenações pela geração que a antecede. Recordo-me de coisas no gênero presenciadas nos tempos de colegial. Convivi com educadores respeitáveis que apontavam na posse de um exemplar de gibi crime sem perdão. Garotinho ainda, traumatizou-me por algum tempo a atitude de um professor, a quem confessei meu encantamento diante da leitura de textos de Jorge Amado e de Carlos Drummond de Andrade. Em reação enfurecida, na sala de aula, ele declarou, enfaticamente, que a literatura comentada era subversiva e de má qualidade. Achando pouco o despautério cometido, citou os versos famosos da “pedra no caminho”, classificando-os de antipoesia. Tá claro que me senti naquele momento, por conta da fulminante “ação pedagógica” do festejado mestre, um mísero integrante, com carteirinha assinada, da tal “juventude transviada”.

Dá pra perceber assim, numa reavaliação dessas condenações, ao longo dos tempos, ao comportamento dos jovens, que seus autores, de modo geral, andaram bastante distanciados da sagrada missão de transmitir, em nome de sua geração, à geração seguinte, o louvor da vida.

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