Incidente geológico, negligência e aquecimento

6 de fevereiro de 2020 às 0h01

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Crédito: Adao de Souza-PBH

Cesar Vanucci*

“Uma relação amigável de convivência da engenharia ambiental com a natureza.” (Recomendação do ambientalista Apolo Heringer Lisboa)

Na história mais que centenária de BH, nunca jamais se viu coisa ligeiramente parecida. De um céu carrancudo despencou inopinadamente um aguaceiro que vou te contar… Amostrazinha diluviana, com certeza.

Afortunadamente para o grande contingente de pessoas afetadas, a duração do “tsunami em miniatura” foi de “apenas” três “intermináveis” horas. Imaginar o que poderia ter advindo como consequência funesta de um temporal dessa envergadura, espichado no tempo, representa um esforço mental desagradável com feitio de sufocante pesadelo.

Fatores geológicos, totalmente alheios à vontade humana, concorreram, naturalmente, para o que aconteceu. Como asseverado pelas autoridades competentes, um chuvaréu dessas proporções é de molde a “bagunçar o coreto”, a produzir transtornos de monta em qualquer centro urbanizado, mesmo naqueles que souberam, ao longo dos anos, compatibilizar adequadamente, em favor do bem-estar social, seus projetos de desenvolvimento e expansão com a imperiosa necessidade de zelar pela preservação ambiental.

Admitir a veracidade desse tipo de ponderação não significa, entretanto, de maneira nenhuma, que se possa olvidar ou rechaçar evidências clamorosas da desastrosa e condenável contribuição humana para que calamidades do gênero ocorram. E, pelo visto, em escala cada vez mais acentuada.

Pegando o exemplo de Belo Horizonte, dá para o cidadão comum perceber e sentir na própria pele, mesmo sem entender bulhufas de técnicas modernas de planejamento urbanístico, que a gestão dos cursos d’água existentes tem sido implacavelmente negligenciada.

Constato, espantado, numa reportagem de Jéssica Almeida, Lara Alves e Letícia Fontes, em “O Tempo”, que no projeto de nossa querida Capital, onde córregos e rios foram tamponados por asfalto e cimento para dar lugar a ruas, praças e avenidas, as canalizações de cursos d’água já procedidas, chegam a 700 quilômetros, as de rios e córregos a 208 quilômetros, enquanto se estendem por 165 quilômetros os mananciais “enclausurados” em canais subterrâneos.

O geógrafo Alessandro Borsagli, autor do livro “Rios invisíveis da metrópole mineira”, denuncia, no trabalho jornalístico, os efeitos danosos produzidos por conta dessa equivocada concepção de “urbanismo moderno” (modernoso talvez seja expressão mais apropriada). Diz ele: “Os cursos d’água, nesse novo planejamento rodoviarista, entraram em rota de colisão com a cidade.”

O professor Apolo Heringer Lisboa, a propósito do tema, sublinha que a chuva não carece ser criminalizada pelo que vem rolando. Ratifica opinião externada em outras oportunidades: Belo Horizonte vai acabar explodindo.

A destruição vista agora nos logradouros, segundo ele, significa “uma grande energia de baixo pra cima, nas laterais, empurrando a terra e as estruturas, rachando tudo. E vai continuar se nada for feito”. Para Heringer Lisboa, é preciso estabelecer, sem delongas, uma relação amigável de convivência da engenharia ambiental com a natureza. Isso aí…

Não são poucos, de outra parte, os especialistas – gente de elevada qualificação profissional e reconhecida sensibilidade social – que lançam a débito do aquecimento global, em boa parte, os “incidentes geológicos” que, inesperadamente, como sucedeu nestas nossas bandas, produzem mortes de inocentes e avolumados prejuízos patrimoniais. Fruto daninho da irresponsabilidade, da prepotência, da arrogância, da volúpia de estruturas políticas e econômicas, que grassam soltas em tantas paragens deste atormentado planeta azul, o aquecimento global é um dos fatores de risco que levam cientistas renomados a alertarem a sociedade humana para a circunstância alarmante de que, na atualidade, os ponteiros do célebre “relógio do juízo final” estão distanciados apenas 120 segundos do soar da trombeta apocalíptica.

Assinale-se, de passagem, por oportuno, que a posição dos ponteiros, nesse monitoramento científico permanente das tensões universais, é, no momento, a mesma atingida à época da chamada “crise dos mísseis”  em Cuba, que quase gerou um conflito entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética.

Causa pasmo sem limites, à vista das sensatas observações dos cientistas, que o aquecimento global pareça ao olhar estrábico de numerosos e desatinados  talibanistas de indumentária ocidental, espalhados por aí, uma subversiva “invenção de moda”. Algo maquiavelicamente concebido por “cientistas e ambientalistas de araque”, mancomunados no “nefando propósito” de alvejar a ordem, a moral e os costumes…

Seja acrescentado, para melhor conhecimento de causa, que a negação dos riscos enfrentados pela humanidade em decorrência do contínuo adelgaçamento da camada de ozônio que recobre a Terra faz parte de um processo cultural fundamentalista empenhado numa “revisão da história”. É fomentado por segmentos política e economicamente poderosos, que agregam vários adeptos da estapafúrdia teoria da terra plana.

Ou seja, a teoria de que nosso planeta possua formato de um disco fixo no centro do universo, provavelmente sustentado nas extremidades nos dorsos de descomunais elefantes – como se concebia em círculos obscurantistas da era medieval. Em torno dele, presumivelmente também, giram as constelações estelares com seus séquitos de planetas, nebulosas, satélites, cometas e asteroides. Ufa!

*Jornalista, presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais  (cantonius1@yahoo.com.br)

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