Bolsonaro pode responder por seis crimes

São Paulo – A suspeita de adulteração do cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de sua filha mais nova, Laura, pode, se confirmada, levar o ex-presidente a responder por seis crimes previstos no Código Penal.
A Polícia Federal afirmou que os fatos investigados pela operação realizada ontem, na qual Bolsonaro foi um dos alvos, configuram, em tese, a prática de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.
Criminalistas ouvidos pela reportagem consideram, porém, que parte dos delitos citados é de difícil enquadramento. Eles também apontam a hipótese de prática de falsidade ideológica e de uso de documento falso. Se comprovada a utilização do certificado fraudado durante a viagem aos EUA, o ex-presidente também pode responder perante a autoridades daquele país.
Já a chance de prisão do ex-mandatário neste momento em decorrência dessa operação é vista como improvável. Os especialistas afirmam que isso pode mudar se houver risco às investigações.
De acordo com a Polícia Federal, os alvos da operação teriam realizado as inserções falsas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022 para que os beneficiários pudessem emitir certificado de vacinação para viajar aos Estados Unidos.
“Quando ele apresenta o certificado de vacinação ao governo americano, ele está cometendo um crime contra o governo americano”, afirma o advogado Davi Tangerino, professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Bolsonaro disse ontem que não tomou vacina contra a Covid e negou ter adulterado o documento de vacinação para viajar.
“Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso”, disse a jornalistas.
A advogada e professora de direito penal da USP Helena Regina Lobo afirma que há dificuldade de configurar o crime de infração de medida sanitária preventiva, pois o Código Penal exige a existência de uma determinação por parte do poder público a ser contrariada.
“Nós não tivemos propriamente uma obrigação impositiva de se tomar vacina. O que houve foram limitações para práticas de atos, que passaram a exigir vacina ou exame prévio”, diz.
Outros enquadramentos considerados difíceis são os referentes à associação criminosa, que para Tangerino (Uerj) não é possível pela existência de uma fraude pontual, e corrupção de menores. Este último é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que menciona situação em que um adulto induz um menor de idade a praticar ato ilegal.
A advogada criminalista Flávia Rahal, sócia do escritório RCVA, afirma que a operação determinada pelo Supremo teve como objetivo localizar provas dos crimes investigados e só com o resultado dela será possível saber se há elementos para um processo criminal.
Para a advogada e professora de direito penal da FGV Direito-SP Raquel Scalcon são grandes as chances de isso acontecer por conta do acúmulo de delitos contra o ex-presidente.
“O cerco jurídico a Bolsonaro ganha força com essa nova situação. Sem dúvida o ex-presidente está cada vez mais exposto”, afirma.
Nova fronteira
O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Stanziola Vieira, afirma que o caso abre uma nova fronteira de investigação contra Bolsonaro, com a participação de pessoas que não foram mencionadas nas apurações da CPI da Covid, realizada no Senado, em 2021.
“É uma investigação que naturalmente vai partir do zero, apesar das suspeitas de antes, porque até então não havia nenhuma evidência”, diz o advogado.
A operação foi realizada no âmbito do inquérito das milícias digitais, que tramita no STF sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Por conta disso, há dúvida sobre se o magistrado vai encaminhar a investigação para a primeira instância, uma vez que o ex-presidente não tem mais foro por prerrogativa de função.
Caso decida manter a investigação na corte, por causa da conexão entre as provas do caso, caberá à Procuradoria-Geral da República avaliar se apresenta denúncia contra Bolsonaro à Justiça.
“É possível desmembrar essa parte e remeter à primeira instância, para que o membro do Ministério Público Federal correspondente analise”, diz Lobo (USP). (Géssica Brandino)
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