Construção prevê perdas com possível liberação do FGTS

25 de fevereiro de 2022 às 0h29

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Crédito: Charles Silva Duarte/Arquivo DC

O governo acena com a liberação de R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para 40 milhões de trabalhadores que têm saldo nas contas do fundo e que serão autorizados a sacar até R$ 1.000,00. Esta foi uma das propostas do governo federal para aquecer a economia anunciada pelo ministro Paulo Guedes.

Se confirmada a nova rodada, será a terceira vez que o governo Bolsonaro liberará saques extraordinários dos recursos do FGTS. A primeira foi em 2019, com o saque imediato, e a segunda em 2020, como recurso emergencial durante a pandemia da Covid-19.

“O Fundo de Garantia é o posto Ypiranga do Paulo Guedes. Como é um fundo privado que tem dinheiro, toda vez que precisa, o governo parte para cima dele”, critica o presidente da Câmara da Indústria da Construção Civil da Fiemg, Geraldo Linhares.

Esses recursos não vão girar a economia. O beneficiado não vai comprar fogão, vai pagar o que está devendo, e, na maioria das vezes, é o banco, o que só alimenta o setor financeiro. Na construção civil, você vai movimentar 97 setores de uma cadeia que começa no transporte dos trabalhadores para a obra e termina na entrega das chaves”, afirma Linhares, à frente de uma câmara que reúne sindicatos patronais e fornecedores da indústria da construção, Copasa, Crea, SME, entre seus 30 integrantes.

Sua desaprovação se junta à de vários representantes do segmento da construção civil, que tem no FGTS sua principal fonte de financiamento, e que reagiram veementemente contra o plano do governo. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic) mandou carta ao Ministério da Economia para alertar sobre as consequências caso um novo saque do FGTS seja aprovado.

Para a indústria da construção, o fundo representa a garantia do patrimônio do trabalhador e gera oportunidades para novos postos de trabalho formais. Além disso, contribui para tornar as cidades mais seguras e salubres por participar da expansão da infraestrutura no País, permitindo acesso à moradia digna aos cidadãos.

Segundo o presidente da Cbic, José Carlos Martins, o FGTS não deve ser percebido como complemento de renda. “É funding para investimentos, é geração de bem-estar, emprego e renda para a população”, enfatizou.

De acordo com ele, é criada uma falsa impressão de que o saque irá ajudar na economia. “Não é verdade. Fizemos em outros momentos análise posterior e o pequeno ganho que traz é muito inferior ao que perdemos. Perde-se o emprego gerado na contratação de habitações e saneamento”, ressaltou.

O Sinduscon-MG apoia o posicionamento da câmara. “O FGTS foi criado para financiar habitação, infraestrutura e saneamento, e isso tem uma lógica”, aponta o presidente do sindicato, Renato Michel. Ele conta que tais recursos se destinam em especial a habitações mais econômicas, como as dos programas habitacionais do governo.

Elas são financiadas principalmente pelos recursos de quem não saca o fundo, porque essas pessoas têm empregos mais estáveis e bem remunerados. “Ou seja, é um processo Robin Hood, pelo qual quem tem mais saldo financia a casa própria de quem mais precisa”, define Michel.

“A construção de um novo lar gera muito mais do que benefícios econômicos: gera bem-estar social, e isso tem um valor incalculável. Não se pode desviar os recursos do FGTS dessa finalidade”, critica, com veemência, o presidente do Sinduscon-MG.

“O volume é limitado e menos pessoas vão poder sacar para financiar sua casa própria”, diz Michel. Para ele, não tem sentido destinar aos bancos, que são os credores da maioria das dívidas a serem pagas, recursos que criam empregos de longo prazo, em obras que podem durar dois ou três anos.

O setor calcula que, a cada R$1 bilhão de investimento em habitação, gera-se cerca de 24 mil empregos. Nos últimos dois anos, em plena pandemia, a construção civil criou 500 mil dos atuais 2,5 milhões de empregos no setor. “Mas nós já tivemos 3 milhões, ou seja, temos muita estrada para andar. Se o dinheiro for desviado para o consumo, vai beneficiar  a indústria da China e não a economia brasileira”, finaliza o dirigente.

Economista avalia medida como “eleitoreira”

Para o economista Paulo Bretas, coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed-MG), o saque do FGTS é mais uma “medida eleitoreira” proporcionada pelo aumento de arrecadação. “Estou acompanhando os movimentos políticos da caneta do governo federal. Como estão atrás do principal adversário nas pesquisas, estão entrando no tudo ou nada de um triste populismo de direita”, lamenta.

Segundo Bretas, a medida é boa para os bancos, que vão ter parte das dívidas pagas pela liberação do dinheiro. E é ruim para a indústria da construção porque resulta em menos recursos para o empréstimo habitacional via FGTS.

“Toda vez que se constrói, seja habitação ou infraestrutura, você está gerando empregos e renda na construção civil. Se você oferece crédito farto e barato, irá estimular essa indústria que irá construir mais”, explica o economista.

“Agora, se colocar dinheiro na mão das pessoas desse jeito, elas vão comprar comida, pagar dívidas e sangrar o fundo de financiamento habitacional mais importante do Brasil. O povo precisa de emprego e um programa de renda mínima permanente”, indica Bretas.

Verba pode ajudar a quitar dívidas e elevar consumo

Ao anunciar no início da semana a possibilidade de nova rodada de saques do FGTS, Paulo Guedes afirmou que “há várias iniciativas que podemos ter daqui até o final do ano que devem ajudar a economia a crescer”, referindo-se a medidas como programas de crédito para empresas, corte de IPI para ajudar as indústrias e programa de criação de empregos, além dos saques do FGTS.  

“Podemos mobilizar recursos do FGTS também, porque são fundos privados, são pessoas que têm recursos lá e estão passando dificuldade. Às vezes o cara está devendo dinheiro no banco e está credor no fundo. Por que não pode sacar dessa conta e liquidar a dívida dele do outro lado?”, completou o ministro da Economia.

O vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Ruy Araújo, concorda com o ministro. “Este dinheiro vai beneficiar uma pessoa que está sendo mal remunerada pelo FGTS e vai pagar uma dívida que cobra juros bem maiores”, aponta o dirigente. “Resolve a vida de quem está pendurado e o libera inclusive para que ele possa voltar a consumir”, completa.

Araújo observa, porém, que a medida não pode prejudicar a construção civil, que, segundo ele, puxa o desenvolvimento do País. “O que a gente sabe é que o governo está arrecadando como nunca, foram 16% além da inflação em janeiro. E se ele quiser investir em habitação popular ou infraestrutura, tem dinheiro para isso. Se tem até para  aquele fundo eleitoral de R$ 5 bilhões”, alfineta.

Para o professor de Economia e Finanças da UNA, Cleyton Izidoro, a liberação é excelente para o consumo. “É uma maneira das pessoas voltarem a comprar, porque o dinheiro chega numa hora em que elas não esperavam. Você coloca esse dinheiro para rodar e aquece a indústria, o comércio e os serviços e tem uma melhora na economia, sem aumentar o endividamento do governo”, sustenta.

De acordo com Izidoro, a questão básica é onde alocar esse recurso para que ele possa gerar mais empregos. “O resultado é mais visível e mais rápido quando se coloca o dinheiro na mão da população, que gasta na indústria e no comércio. Se ele for direcionado para a indústria, não se consegue resposta a curto prazo”, explica.

“Mas não é uma ferramenta sustentável, ela é pontual e seu objetivo é conseguir uma melhora agora. Lá na frente, devem ser criados outros estímulos para a economia”, conclui o professor.

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