Entrevista exclusiva: Criação de fóruns digitais pelo TJMG promete agilizar trabalho da Justiça

Iniciativa visa à melhoria de processos como oitivas, depoimentos, sentenças e audiências de mediação e conciliação e poderá ser replicada

17 de janeiro de 2023 às 0h31

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Presidente do TJMG anuncia plano de implantar fóruns digitais no Estado | Crédito: Leonardo Morais

O desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho tomou posse como presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), para o biênio 2022-2024, em julho do ano passado, e tem empenhado esforços para uma condução célere e moderna dos trabalhos da Justiça mineira, de maneira que esteja também cada vez mais próxima da população. Membro do TJ há oito anos, chegou ao órgão pelo quinto constitucional da advocacia, é bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e advogou por 30 anos na área empresarial.

Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, falou sobre a necessidade de modernização e virtualização do Judiciário, destacando a criação dos chamados fóruns digitais ainda neste exercício nas cidades de Papagaios, Lagoa Grande, Fronteira, Padre Paraíso e Coluna. A iniciativa promete agilizar oitivas, depoimentos, sentenças e audiências de mediação e conciliação e poderá ser replicada em outros locais de Minas Gerais.

José Arthur de Carvalho também falou sobre o histórico acordo mediado entre atingidos, governo e a mineradora Vale referente ao rompimento da barragem em Brumadinho (RMBH), sobre a implantação do TRF-6 em Minas Gerais e os ganhos para a Justiça Federal, bem como sobre os avanços propiciados pelo Programa Destrava Minas que também já ganhou uma versão municipal – o Destrava 853.

Por fim, repudiou os ataques aos Três Poderes ocorridos em Brasília no último dia 8 de janeiro, defendendo a independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário, sem deixar de lado a harmonia, a gentileza, a educação e, sobretudo, o respeito à democracia.

Qual o balanço dos seis primeiros meses à frente da presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais?

No dia seguinte à posse lançamos uma resolução conjunta denominada Programa de Justiça Eficiente 5.0, uma inovação na qual elencamos todos os projetos que entregaremos ao longo da gestão, a fim de que possamos ser ao final do mandato. Na verdade, queremos entregar aquilo e muito mais. Listamos principalmente os projetos estruturantes e fundamentais para dar ao tribunal maior celebridade e eficiência. E, em linhas gerais, ele se resume em alguns eixos, como a melhoria no nosso parque tecnológico, em razão da nova realidade digital no período pós-pandemia. Digitalizamos grande parte das etapas e praticamente não temos mais processos físicos, o que nos viabilizou realizar sentenças e atos judiciais de maneira virtual. Então, precisamos aumentar e melhorar nosso parque tecnológico. Aliado a isso vem à perspectiva a área de inovação, precisamos inovar e elevar o tribunal a um nível de modernidade que atenda aos reclames da sociedade. Nos últimos seis meses já ganhamos dois prêmios do Inovare ligados à inovação e algumas menções honrosas do CNJ. E o terceiro braço tem relação com o social, em termos um olhar voltado mais para nossos jurisdicionados hipossuficientes, ou seja, aqueles que precisam do Tribunal mais do que os demais. Programas e ações ligados à defensoria pública, voltados para pessoas mais humildes e que são mais importantes ou precisam ser resolvidos com mais rapidez. Além disso, temos vários outros projetos na área social, especialmente no núcleo do voluntariado, numa perspectiva de que o tribunal possa se aproximar cada vez mais da sociedade, cumprindo uma função social devendo ser mais moderno e inclusivo.

Um dos desafios do sistema Judiciário é dar celeridade ao andamento dos processos. Essa atuação mais moderna e inclusiva também visa dar mais agilidade ao andamento de ações em Minas?

O que a sociedade mais nos reclama diz respeito à demora na representação jurisdicional. Um processo entra no tribunal e fica cinco, sete, dez anos para ser julgado e isso tem que ser revertido. Embora haja um volume enorme, já que no Brasil há 70 milhões de processos para serem julgados e o País, infelizmente, prima pela litigiosidade, é preciso reverter. Também por isso vamos priorizar os processos de mediação e conciliação. Porque, na verdade, a sentença resolve a questão, mas não pacifica o litígio, às vezes até o potencializa. Já com a mediação e a conciliação, em especial a mediação, onde as partes constroem seu próprio destino elas mesmas, a perspectiva de gerar uma pacificação maior e melhor aos reclames é mais efetiva.

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Isso inclui a digitalização dos fóruns e centrais de processamento eletrônico? Como eles irão funcionar e qual a previsão de operacionalização? A virtualização do Judiciário é um caminho sem volta?

Já estamos com 98% dos processos virtualizados – há um resíduo. É um caminho sem volta, mas não acredito que o mundo vá ser virtual, acredito que vá ser híbrido. Teremos pessoas trabalhando em home office, mas também dentro dos fóruns, em rodízio, revezamento, no que chamamos de híbrido. É isso que estamos construindo e, inclusive, vamos publicar uma portaria para normatizar esse fluxo: como faremos e nos portamos diante dessa nova realidade. Durante a pandemia a produção foi muito maior do que em épocas normais. Como as pessoas ficavam em casa, elas acabavam trabalhando mais, pois não tinham deslocamento e a produtividade aumentou. Mas também é importante dizer que as pessoas precisam se encontrar para conversar e trocar ideias. Por isso, apostamos no modelo híbrido.

E essa digitalização, de alguma forma, muda os planos de ampliação da presença da Justiça no Estado?

Não, pelo contrário. Temos outro projeto altamente inovador e transformador para o Judiciário, que são os fóruns digitais. Minas Gerais é um Estado enorme com dimensões continentais. Temos 298 comarcas e 853 municípios, então, existem municípios que estão distantes da comarca sede, o que faz com que os cidadãos precisem se deslocar por dezenas ou centenas de quilômetros para dar um depoimento que às vezes dura 10 ou 15 minutos. Nesses municípios em que há um volume considerável de processos e que estão distantes da comarca sede ou com acesso dificultado, vamos instalar os chamados fóruns digitais. O que seria? Um pequeno espaço onde haverá a perspectiva do cidadão que precisa ser ouvido e ele fará todo o procedimento à distância. Então, na verdade, temos o judiciário se aproximando ainda mais da sociedade exatamente em função da digitalização e da modernidade tecnológica.

Como serão implantados esses fóruns digitais?

Teremos um projeto-piloto em cinco municípios que foram identificados tecnicamente pela corregedoria de Justiça. São municípios distantes da comarca e que possuem volume de processos que viabiliza instalar ali um fórum. São eles: Papagaios, Lagoa Grande, Fronteira, Padre Paraíso e Coluna. Os municípios vão doar o terreno para o tribunal e o tribunal vai construir os fóruns, que serão totalmente modernos e sustentáveis. Vai ser transformador para o Judiciário. Funcionando bem, poderemos a partir daí, ir construindo novos fóruns digitais e atendendo cada vez mais próximo a população. Esses fóruns também vão contar com o Cejusc e também receberão audiências de mediações, conciliações e até mesmo o pré-processual, em vistas de se eliminar um potencial litígio. Além disso, também vamos apresentar a nova modelagem dos futuros fóruns. Porque, em razão da virtualização dos processos, os espaços podem ser menores e não é razoável que continuemos a construir fóruns em grandes espaços. Não temos mais papel e as pessoas estão em home office ou em regime híbrido. Por isso, vamos apresentar ao órgão especial, nos próximos dias, a nova modelagem proposta para os futuros fóruns. Uma vez que os modelos sejam aprovados, haverá um cronograma para que os novos já sejam construídos dentro deste modelo. Não sei se eu mesmo vou chegar a construí-los, mas vai ser um grande legado que minha gestão vai deixar. É uma modernidade que proporciona também redução de custo. Se fizermos os fóruns que já estão aprovados nesta nova modelagem, teremos uma economia da ordem de R$ 60 milhões.

Em 2021, o governo estadual e o TJMG lançaram um projeto para destravar obras no Estado. Como está o Programa Destrava Minas atualmente?

No Brasil existem 14 mil obras paralisadas; em Minas são aproximadamente mil. Às vezes por questionamentos e situações de solução rápida, desde que haja um esforço de mediação. Por isso lançamos o Destrava e chamamos o governo para participar através da Advocacia Geral do Estado, exatamente para eles identificarem quais são aquelas obras que estão paralisadas por alguma questão jurídica para que pudéssemos, através dos Cejusc Empresarial, mediar as soluções. Vários acordos já foram exitosos e a ideia é continuar. Na mesma esteira, lançamos o Destrava 853, que é a versão do Destrava para os municípios, por meio da Associação Mineira dos Municípios (AMM) e já alertamos aos municípios para trazerem suas obras paralisadas para o Tribunal para que possamos intermediar. Esse processo funciona muito bem, é o tribunal, mais uma vez, sendo pioneiro. O CNJ até lançou algo similar, mas ninguém adotou e Minas fez em primeiro lugar. É importante dizer que o Destrava Minas não se limita somente às obras que já possuem processos, mas também àquelas que têm potencial de gerar litígio. Um bom exemplo é o Rodoanel Metropolitano, que tem vários pontos que serão alvos de eventual questionamento. O objetivo do programa é atuar antes que haja o processo, de maneira pré-processual para que se possa resolver aquele conflito antes que ele realmente se materialize. É uma novidade espetacular: o tribunal deixando de ser apenas sentenciador para ser protagonista de soluções, um pacificador.

Qual a importância da criação do TRF-6 em Minas Gerais?

O TRF-6 é uma conquista dos mineiros e dos brasileiros. Porque no TRF-1, onde eram julgados os processos de Minas Gerais e de outros diversos estados, cerca de 60% das demandas tinham relação com o Estado. Quando o Minas cria o TRF-6 passamos então a julgar aqueles processos através de novos membros, que vão agilizar aquela prestação jurisdicional e, ao lado disso, desafogar o TRF-1 e viabilizar que os processos dos outros estados sejam julgados com mais agilidade. Por isso, a criação do TRF-6 que estava tramitando há 20 anos é tão importante. Desafoga o Brasil e agiliza o Judiciário. Outra vantagem é que não houve aumento de custo, pois foi instalado no prédio da Justiça Federal.

Impossível falar da Justiça mineira e não lembrar das tragédias envolvendo as mineradoras Vale e Samarco. Qual o papel do TJMG nos processos de reparação dos rompimentos das barragens?

Fizemos o acordo da Vale, onde depois de 200 horas de mediação com os diversos players com alguma vinculação a esse litígio e tivemos um resultado histórico, através do qual serão aportados para no Estado de Minas Gerais, nada mais nada menos do que R$ 37 bilhões. São recursos que vão gerar renda e emprego e melhorar algumas frentes no Estado. Não que isso resolva, que seja bom, porque a tragédia ninguém queria que acontecesse, mas, pelo menos, é uma forma de minimizar ou de dar uma contrapartida à sociedade. E em relação à Mariana, esse processo não corre na Justiça estadual, porque envolve Minas Gerais e Espírito Santo, por isso foi para a esfera federal. Então, não iremos participar desta mediação, embora tenhamos oferecido nossas dependências ao TRF-6. Mas parece que a mediação que seria feita aqui, voltou para Brasília…

Há algum outro grande processo em curso no Estado que mereça destaque? A mediação com a Vale é considerada um marco para o TJMG?

O acordo da Vale é  o maior acordo de reparação da América Latina. Mas já tivemos outros de destaque por aqui. Havia, por exemplo, 45 mil processos de advogados dativos, ou seja, aqueles que nomeados pelo juiz por falta de efetivo da Defensoria Pública, que atuavam em nome do Estado e que não haviam recebido seus honorários. Procuramos o Executivo, pedimos um esforço nesta resolução e conseguimos. Os 45 mil processos vão ser eliminados, porque o Estado vai pagar esses precatórios com um pequeno deságio. Também fizemos, recentemente, um acordo entre o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Ministério Público Federal, o município de Nova Lima e a Vale no valor de R$ 500 milhões. Essa composição prevê, pela parte da mineradora, a compensação e reparação integral dos danos causados pela Barragem B3/B4 da Mina Mar Azul, em Nova Lima. Também fizemos, através do Cejusc Social, um acordo para a realização do repasse de R$ 85 milhões pelo Estado de Minas Gerais aos municípios mineiros. Além disso, também tratamos do deságio dos precatórios. Algo que era entre 30% e 50%, conseguimos chegar a 20%, facilitando o acordo. Faremos uma nova rodada para finalizá-los. O governador Romeu Zema disse que está empenhado até o final do mandato de zerar os precatórios de Minas Gerais. Se conseguirmos, seremos, talvez, o único estado a não ter precatório.

Vivemos um momento de tensão no Brasil após os ataques em Brasília. Como a Justiça de Minas pode ajudar no processo de pacificação do País?

No mesmo dia daquelas invasões, quebradeiras e crimes ocorridos nos Três Poderes em Brasília, publicamos uma nota de repúdio do Tribunal. Ninguém é contra nenhuma crítica democrática, mas não podemos admitir que essa crítica passe a ser intolerância, invasão e quebradeira, que passe do aspecto democrático para o criminoso. Por isso, repudiamos veementemente o que ocorreu. O que a gente precisa fazer e acho que isso vai acontecer, é pacificar mais os poderes. Vimos no último mandato de Presidência da República, certa rixa entre os poderes e isso não é bom. Os poderes devem ser independentes, mas devem ser harmônicos. Em Minas Gerais, por exemplo, temos uma absoluta harmonia com muito respeito entre Executivo, Legislativo e Judiciário. É assim que deve ser em todos os poderes. É preciso lidar respeitosamente e com harmonia, gentileza e educação, até porque, na verdade, os poderes querem a mesma coisa: o bem do País, do Estado ou do município. Precisamos dessa pacificação e acho que se vai haver algum saldo positivo disso tudo será no sentido de valorizarmos esta maior integração e interlocução entre os poderes.

O que a sociedade pode esperar para o restante de sua gestão à frente do TJMG?

Seguiremos a linha de uma gestão altamente compartilhada. Gosto de trabalhar em equipe, do diálogo e vamos seguir nesse sentido. No tribunal temos absoluta coesão entre demais vice-presidentes e corregedores. Pensamos na instituição e somente na instituição, não há nenhum pensamento individual. E defendo que temos que levar sempre o pensamento que estamos aqui para servir, pois somos servidores públicos e devemos à sociedade e devemos à população uma reverência maior e devemos fazer isso através do que é o nosso maior foco: prestar a jurisdição. Toda vez que atuarmos com maior eficiência, presteza, economia, rapidez e aproximando mais da sociedade, estaremos cumprindo bem nossa função. E, na verdade, precisamos dar uma visão mais clara para a população do que é o Judiciário. O sistema é conhecido apenas como um órgão que sentencia, prende, concede habeas corpus; mas nós também cuidamos do idoso, da criança, do adolescente, das mulheres, das partilhas e das sucessões, ou seja, é uma infinidade de assuntos que são fundamentais à sociedade e que acolhemos e resolvemos. E cito o TJMG Cultural, que foi recentemente criado e que traz o aspecto cultural para o tribunal, proporcionado que a sociedade conheça melhor o Judiciário e esclarecendo que também é uma casa de cultura. Num ambiente altamente inóspito e dramático, como o judiciário, onde só se litiga, trazer um pouco de leveza também contribui para que a sociedade tenha uma visão mais tranquila do sistema, entendendo que o mesmo pode espargir delicadeza, poesia e leveza.

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