Crédito imobiliário: prefixado pode sair mais caro em contratos de curto prazo

6 de dezembro de 2019 às 0h05

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Crédito: Charles Silva Duarte

São Paulo – Quem se animou com a perspectiva de crédito imobiliário prefixado, previsto pela Caixa para março de 2020, deve se preparar para pagar taxas de juros mais altas em contratos de prazos mais curtos. Isso porque, nesse modelo de financiamento, a taxa de juros é fixada no momento do contrato e permanece a mesma até a quitação do imóvel, sem nenhuma indexação.

Questionada sobre a nova linha, a Caixa afirmou, por meio de sua assessoria, que ela se encontra em estudo, não sendo possível falar ainda em juros e prazos.

A principal vantagem do ponto de vista do cliente é a segurança: ele fica protegido de mudanças na economia, como alta da inflação, sabendo exatamente quanto pagará do começo ao fim.

Já nas linhas de crédito pós-fixado, para além da taxa de juros contratada, os valores são corrigidos por algum indexador. No modelo tradicional, essa correção é feita pela TR (taxa referencial, calculada pelo Banco Central) e, na linha mais recente lançada pela Caixa, ela é atrelada ao índice de inflação (IPCA).

Como no crédito prefixado não há correção, os agentes financeiros embutem suas expectativas de inflação e o risco assumido na taxa de juros contratada, que por isso tende a ser maior.

O mesmo raciocínio vale para o prazo de pagamento do financiamento: quanto mais longo, mais difícil é prever o comportamento da economia e, portanto, maior o risco de quem empresta. Luiz Antonio França, da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, acredita que dificilmente serão feitos contratos de 30 anos nessa modalidade.

A comercialização desse tipo de linha não é novidade no mercado brasileiro, mas, dados os riscos que traz para o agente financeiro, sempre representou apenas uma fração do financiamento imobiliário concedido no Brasil.

Segundo a pesquisadora Claudia Eloy, do Observatório Brasileiro do Crédito Habitacional, o auge desse modelo foi entre 2009 e 2011, quando a Selic (taxa básica de juros) estava em viés de baixa, mas ainda assim foi uma oferta minoritária. “Era quase boutique você oferecer (crédito prefixado) para atender a necessidade de alguns clientes”, afirma Claudia Eloy. A carteira remanescente dessa época não chega hoje a 1% do total do crédito imobiliário no Brasil.

Sucesso x reformas – A viabilidade da linha prefixada, portanto, está diretamente relacionada ao atual cenário econômico de taxas de juros e inflação baixas e depende dele para funcionar. Na medida em que qualquer um desses itens saia de controle – ou que o mercado desconfie que possam sair no futuro -, a tendência é de que a taxa prefixada dispare a ponto de perder qualquer atratividade.

“Se olharmos para o passado do Brasil, é um produto que a gente não imaginava que estaria disponível, mas se você pegar os avanços de todas as reformas, como a reestruturação fiscal, a gente pode olhar para frente”, diz Rodrigo Luna, vice-presidente de habitação econômica do Secovi-SP (sindicato de empresas do ramo imobiliário).

Luna atrela o potencial de sucesso da linha ao avanço de outras reformas prometidas pelo governo, como a tributária e a administrativa, que garantam estabilidade e previsibilidade para os financiadores.

Segundo ele, uma taxa razoável de juros prefixada giraria hoje em torno de 10% a 10,5% ao ano – acima da linha corrigida pelo IPCA, em que os juros variam de 2,95% a 4,95%, e ao cobrado na atrelada à TR, que varia de 6,75% a 8,50%.

Em razão dessa diferença, o crédito prefixado tende a atrair compradores de renda mais alta, cujo orçamento suporte parcelas de valor mais alto do que as resultantes de outras linhas.

Claudia Eloy afirma que a opção por esse modelo é indicada para o comprador interessado em segurança: ele vai ter a garantia de quanto pagará pelo seu imóvel do começo ao fim.

Mas se a taxa básica de juros da economia e a inflação seguirem em baixa, o prefixado pode ser um mau negócio, afirma Luciana Royer, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP especialista em crédito imobiliário. “Ao final, o cliente pode pagar em relação ao total da dívida mais pelo principal do que se ele trabalhasse com o crédito corrigido pela TR”.

Claudia Eloy concorda, mas faz a ressalva de que também poderia ter acontecido o contrário: as demais taxas subirem, barateando o prefixado em comparação com as outras linhas no longo prazo. “Tudo depende de como as taxas vão se comportar no futuro”, afirma.

Em um mercado desenvolvido e estável como o norte-americano, por exemplo, a diferença pequena entre as já baixas taxas pré e pós-fixadas faz com que a maioria dos consumidores escolha a primeira – segundo o governo americano, entre 70% a 75% dos compradores fazem essa opção. (Folhapress)

Securitização vai depender de atratividade

Ao anunciar a nova linha, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, atrelou seu lançamento à securitização do crédito imobiliário. Securitizar significa vender no mercado financeiro no formato de títulos o fluxo de recursos mensais que a Caixa recebe com sua carteira de crédito imobiliário.

Essa prática já é bastante consolidada no Brasil no segmento de imóveis comerciais, afirma Royer. “O fluxo de pagamentos de alugueis foi securitizado, abrindo caminho para os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), que alimentam hoje os fundos de investimento imobiliário”, explica.

O sucesso da securitização depende, portanto, da atratividade desse título aos olhos do investidor. Para fazer essa avaliação, ele vai olhar não só para a taxa fixa contratada no crédito, como também para o prazo do contrato e para o valor acima da Selic (chamado de prêmio) que deverá ser colocado nessa equação para despertar o interesse de qualquer comprador.

A taxa prefixada oferecida pela Caixa ao mutuário vai depender da calibragem dessa equação.

Para Royer, esse atrelamento ao mercado financeiro pode levar a um encarecimento do crédito imobiliário no longo prazo. “Os recursos oriundos desses fluxos de financiamento são literalmente de mercado, então eles não abaixam a ponto de atender a uma camada de renda média e baixa”, afirma.

Isso é diferente do que ocorre com o FGTS – por tratar-se de um recurso regulado considerado barato, ele consegue financiar imóveis para famílias de renda mais baixa. “Essas medidas (novas linhas atreladas à securitização) vão no sentido de implodir o FGTS. A tendência que teremos no médio e longo prazo é você ter um encarecimento do crédito imobiliário habitacional em geral com a diminuição de um crédito barato que é o FGTS”, diz. (Folhapress)

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