Rio de Janeiro – O Código de Defesa do Consumidor (CDC), criado pela Lei 8.078/1990, completou 30 anos na sexta-feira (11) e é considerado uma legislação abrangente para as relações de consumo, mas, passadas três décadas, houve mudanças substanciais na forma de comprar por meio do comércio eletrônico.
Segundo especialistas, uma atualização seria bem-vinda, embora o código tenha seu texto adaptado ou usado, de forma indireta, outras legislações para proteger os direitos dos consumidores.
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O código é anterior ao início da popularização da internet no Brasil. Como destaca o coordenador do MBA de Gestão de Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ulysses Reis, quando a legislação foi criada, não se tinha como prever que a mudança nos hábitos de consumo seria tão grande.
Reis destaca como o processo de compra se modificou nos últimos anos e que o fenômeno se acelerou com a pandemia da Covid-19. Com as medidas de isolamento social para evitar o contágio pelo novo coronavírus, as lojas do comércio de rua e dos shopping centers tiveram que ser fechadas, o que levou muita gente a recorrer ao varejo digital.
“O consumidor antigamente ia à loja pesquisar, tomava a decisão e comprava o produto. Esse novo processo de compra começa na internet onde ele obtém informações sobre produtos e serviços, compara preços, vai às redes sociais ouvir opiniões e reclamações. Depois, ele pode ir a uma loja física para experimentar produtos e serviços e negociar preços e condições com os vendedores com o que ele viu on-line. O consumidor pode comprar na loja física ou comprar on-line depois”, disse Reis.
“Esse comportamento, essa jornada do consumidor, era grande entre os mais jovens antes da pandemia. Agora, depois da pandemia, as pessoas de mais idade também adotaram esse comportamento”, avalia o professor.
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Canais de venda – Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil indicaram que uma atualização do código é bem-vinda. Para o professor Ulysses Reis, a atualização da norma deve levar em conta a expansão dos canais de venda por meio de sites, aplicativos, redes sociais.
“O código não prevê essas situações de comprar nesses diversos canais de venda. Ele não prevê quando o consumidor está migrando de um canal de vendas para ou outro e que a empresa tem que resolver problemas de contratos e atendimentos nos diferentes canais de venda”.
O diretor jurídico do Procon-RJ, Henrique Neves, disse que o Decreto 7.962/2013 regulamentou algumas situações relativas ao comércio eletrônico. Segundo Neves, diversos artigos do código são aplicados por equiparação ao varejo digital. Ele também destaca que o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) atualizam de forma indireta o código. “A gente vai combinando essas novas legislações para poder utilizar no direito do consumidor”, observa.
Quanto ao comércio eletrônico, Neves considera ser importante melhorar as regras contra as fraudes. “Consumidores e fornecedores são, muitas vezes, vítimas de sites falsos. É uma das reclamações que a gente tem aqui e tem dificuldade em resolver”.
O comércio on-line ganhou impulso durante a pandemia do novo coronavírus. O e-commerce brasileiro faturou 56,8% a mais nos oito primeiros meses de 2020 em comparação com igual período do ano passado, segundo pesquisa realizada pelo Movimento Compre&Confie em parceria com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).
Segundo o levantamento, o aumento do faturamento foi possível porque houve crescimento de 65,7% no número de pedidos, de 63,4 bilhões para 105,06 bilhões. Segundo a ABComm, desde o início da pandemia mais de 135 mil lojas aderiram às vendas pelo comércio eletrônico para continuar vendendo e mantendo-se no mercado. (ABr)
Dois projetos tramitam na Câmara
Em vigor há três décadas, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é um marco na conquista de direitos do consumidor e tem uma importância histórica na vida dos cidadãos, sendo uma das principais ferramentas de defesa para resolução de conflitos nas relações de consumo. Como a sociedade está sempre em evolução, o CDC também precisa absorver novas normas para proteção do consumidor.
Diante desse cenário, já está em discussão na Câmara dos Deputados, após aprovação do Senado, dois projetos de lei buscando atualização das normas do Código do Consumidor. O primeiro é o Projeto de Lei nº 281, cujo objetivo é criar normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando fortalecer a confiança e assegurar a devida tutela efetiva com segurança nas transações. O segundo é o projeto de Lei nº. 283, que visa aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor bem como dispor a prevenção do superendividamento por meio de revisão e repactuação da dívida.
Nos últimos anos, houve um aumento exponencial de compras e vendas on-line colocando a modalidade e-commerce no topo da liderança em razão das medidas de isolamento durante a pandemia mundial. Consequentemente, cresceu também o número de pessoas endividadas nesse período, seja pelo desemprego ou pela redução de salário. Em julho, o total de endividados foi de 67,4%, frente a 64,1% em igual período do ano passado segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Isso mostra a necessidade das autoridades de regularem as novas configurações de relações no ambiente digital.
De acordo com a advogada especialista na área de direito civil, Vitória Guerra, o CDC tem uma importância histórica na vida dos cidadãos que o têm como uma das principais ferramentas de defesa para resolução de conflitos nas relações de consumo. No entanto, o código, considerado maduro, principalmente em relação à ampla atuação dos Procons, agências reguladoras e juizados especial, se depara agora com o desafio de regular as novas configurações de relações no ambiente digital.
“A aprovação dos projetos mencionados será essencial para conferir maior segurança nas relações diárias, seja para o cidadão, seja para os fornecedores, principalmente nesse momento onde nos deparamos com um alto endividamento e paralelamente alta demanda de compra e venda no ambiente digital – o que acredito que se manterá como tendência nos próximos anos”, avalia a advogada.