A Amazônia (e o mundo) em perigo iminente

22 de julho de 2020 às 0h10

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Países devem correr contra o tempo para diminuir emissões e desmatamento | Crédito: Ueslei Marcelino/Reuters

Nair Costa Muls*

Dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (IMPE) sobre o desmatamento da Amazônia são aterradores: em 2020, uma área de 3.069.57 km2, equivalente a duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo, foi destruída pelo fogo e pelo desmatamento (2.248 focos de incêndio em junho/ 2020, índice 18% maior do que o de maio/2019); só em junho, uma área de 1.034.4 km2 estava sob alerta de desmatamento, área 10,65% maior do que a de 06/2019, um recorde, levando-se em conta dados desde 2015.

Desmatamentos e incêndios se seguem numa destruição sem precedentes da Amazônia. Mais uma vez, depois da divulgação, a responsável pelo órgão foi exonerada, assim como o foi Ricardo Galvão (2019).

Esse aumento se deve, indubitavelmente, à política governamental, concretizada através das portarias do ministro do Meio Ambiente: desmatamento, anistia dos desmatamentos irregulares; diminuição e mesmo suspensão de multas; as estruturas de fiscalização foram destroçadas, incluindo equipes, recursos e equipamentos e desmantelamento dos órgãos responsáveis, inclusive com a destituição dos quadros técnicos especializados.

Nesse contexto, o Brasil perde o protagonismo no mercado de bens agrícolas do exterior, que exige sustentabilidade e excelência dos produtos. Para Bolsonaro, no entanto, esse movimento é fruto de uma “conspiração” internacional contra o Brasil, pois o mundo está “incomodado com o avanço do País, a maior potencia agrícola do mundo”, afirma ele.

Nesse processo, a mineração invade, inclusive, terras indígenas ou de quilombos, destruindo antigas estruturas de sustento e de vida dos povos aí instalados há séculos. No Pará, no Amazonas ou no Maranhão a exploração da bauxita, por exemplo, destruiu suas fontes naturais de sustento, castanhais, lagos, igarapés e rios, hoje soterrados pela lama e apresentando alto teor de toxidade (chumbo, arsênio, mercúrio). O minério é levado para os Estados Unidos, Canadá, China e mercados da Europa, sem contrapartida para as populações espoliadas.

Agora, a bola da vez é o nióbio, tido por Bolsonaro como uma possibilidade única de libertação da economia brasileira (o maior depósito mundial de nióbio está em terras indígenas da Amazônia).  Posição que estimula mais ainda a invasão de garimpeiros, embora, por várias décadas, o nióbio da Amazônia não precise ser explorado, pois as jazidas de Araxá/MG atendem plenamente às necessidades do mercado mundial.

Todavia, para Bolsonaro, a questão central é a exploração econômica da região através da mineração e do agronegócio. Para isso, cabem as queimadas e o desmatamento.

Por outro lado, os próprios produtores (de soja e carne, por exemplo) reclamam que o desmatamento exagerado compromete a imagem de seus produtos e a aceitação dos mesmos na Europa e dificulta o repasse do Fundo de Financiamento da Amazônia.

Esse acordo, assinado no governo Lula com países europeus para recuperação e proteção da Amazônia, sobretudo em relação às condições da produção de carne, grãos e couro, exige dos clientes relatórios pormenorizados comprovando o comprometimento com a sustentabilidade ambiental e com a excelência dos produtos.

Diante do perigo representado por essa devastação da floresta amazônica para o mundo inteiro ─ não se pode esquecer que a região é, sem dúvida alguma, o “pulmão do mundo”  ─ e que as queimadas e o derrubamento das árvores a transformam em simples savana, tornando o solo irrecuperável para a floresta, o Fundo de Financiamento da Amazônia tem exigido do governo brasileiro uma atitude responsável pela preservação da região.

Em junho último, por exemplo, 29 gestoras enviaram cartas às embaixadas brasileiras no exterior, alertando para as dificuldades de se investir ou de oferecer serviços financeiros ao Brasil com a política adotada pelo atual governo de total desrespeito à proteção e à sustentabilidade da região amazônica.  Os investimentos no Brasil têm caído e empresas brasileiras (Suzano, Shell do Brasil, Marfrig, Natura, Cargill, Itaú e Vale, entre outras) têm se queixado da ameaça à aceitação de seus produtos na Europa.

Face a esse posicionamento, o  vice-presidente Mourão, agora responsável pelo “caso” Amazônia, teve um encontro virtual com os conglomerados europeus ─ que ameaçam reconsiderar a alocação dos recursos para o Brasil ─ e contatou as empresas brasileiras favorecidas por esses recursos, se comprometendo com a adoção de medidas proibindo as queimadas por 120 dias!

Ora, isso nada significa para a preservação da Amazônia.  E mais, reafirmando a posição do presidente, critica o exagero dos países europeus e a distorção em relação aos incêndios e desmatamento que estariam ocorrendo.

O governo esquece que esses incêndios provocaram a liberação de cerca de 115 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono, cerca de 220% a mais do que no ano passado, falando de apenas um dos resultados negativos dos incêndios e da devastação da Amazônia, risco incontornável para a saúde do planeta.

Em artigo na FSP (12/07/2020), Vinicius Torres Freire fala da disposição da Europa, pós-pandemia, em investir apenas em negócios orientados por preocupações ambientais, sociais e governança correta. O que trará alterações no consumo e restrições nos negócios com países fora dos padrões socioambientais, tecnologicamente primitivos ou francamente bárbaros, como o Brasil, diz ele.

Para onde irão os nossos produtos tais como combustível fóssil, ferro, bauxita, nióbio, grãos e carne? E ainda a pergunta que não se quer calar: como fica a proteção da Amazônia, patrimônio natural não só do País como do mundo, sob nossa responsabilidade?

*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMGT/Fafich

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