A demissão de Mandetta

21 de abril de 2020 às 0h12

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Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Rodrigo Augusto Prando*

O imbróglio entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta teve o desfecho que se esperava. É prerrogativa presidencial nomear e exonerar os ministros de Estado. Poucas vezes uma demissão foi tão difícil de ser concretizada. Mandetta saiu sorrindo, leve e solto; Bolsonaro, ao contrário, apresentou-se tenso, com falas pausadas e bem distante do político combativo, especialmente, nas redes sociais.

O ponto inicial das rusgas foi, segundo as informações veiculadas, o encontro de Mandetta com João Doria, inimigo declarado de Bolsonaro e dos bolsonaristas dada a sua pretensão presidencial para 2022.

Mais importante, todavia, foi o fato de Mandetta, que é médico, ter alicerçado suas ações dentro dos protocolos científicos e das recomendações da Organização Mundial de Saúde no que tange à importância do isolamento social horizontal (para todos) objetivando o achatamento da curva de contaminação e o não colapso do sistema de saúde.

Ao contrário, Bolsonaro defendeu o isolamento vertical (apenas dos considerados grupo de risco: idosos e portadores de doenças crônicas) ou mesmo a volta à normalidade para não levar à derrocada da economia do País. Quem vislumbra a reeleição quer tudo, menos uma crise econômica durante seu mandato. Foram inúmeras as falas de Bolsonaro tratando a pandemia com menoscabo e impossível não recordar que em sua definição o Covid-19 tratava-se de uma “gripezinha”. E mais: o presidente tornou-se defensor de um medicamento, a cloroquina, como forma de tratamento para a doença em voga. Contudo, não há, ainda, consenso na comunidade médica do uso da medicação em todos os casos, pois as pesquisas estão em andamento, mormente nos aspectos ligados aos efeitos colaterais.

Assim, Mandetta defendeu um isolamento horizontal e parcimônia na questão da cloroquina e Bolsonaro, por seu turno, fazia questão de participar de eventos públicos, cumprimentos aos apoiadores e declarações frequentes minando o seu próprio ministro.

Outro fator é que, na visão do presidente, o ministro ao focar no isolamento estava deixando de lado a economia que, certamente, enfrentará profunda crise levando à forte diminuição do PIB, aumento da pobreza e impacto no setor produtivo. No fundo, médicos, economistas, políticos e gestores não conseguem, no momento, problematizar e chegar a números que indiquem se o isolamento social é o melhor caminho ou se flexibilizar e retomar a atividade econômica é a decisão mais acertada.

Países que foram, inicialmente, mais flexíveis tiveram que retroceder, endurecendo o isolamento por conta das mortes e gastos públicos e privados. A evolução dos fatos, da realidade, foi, durante a gestão Mandetta, fortalecendo o ministro e enfraquecendo as teses bolsonaristas. Atores políticos (deputados e senadores), os presidentes de Câmara e Senado, ministros do STF, governadores e prefeitos escolheram Mandetta e isolaram o presidente.

Bolsonaro desligou um ministro que manejou a crise com competência técnica e com ótima capacidade de comunicação. A população viu, em Mandetta, a liderança que faltou ao presidente. As pesquisas apontam o capital político acumulado por Mandetta e esse incômodo, seja no nível micro (do relacionamento pessoal) e no nível macro (discordâncias da gestão da pandemia frente à economia) selou o destino de ambos. A história julgará, como bem disse o próprio Bolsonaro.

* Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia

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