A MP 905/2019 e a retirada da natureza trabalhista dos acidentes de trajeto

13 de dezembro de 2019 às 0h01

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Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

JÚLIA CAMPOS*

A Medida Provisória nº 905/2019, publicada em novembro deste ano, revogou o art. 21, inciso IV, letra “d”, da Lei nº 8.213/91, que qualificava como acidentes de trabalho os ocorridos no trajeto entre a residência do empregado e o seu local de trabalho, e vice-versa. Recaía sob o empregador, portanto, o ônus de arcar com as decorrências de infortúnios com o empregado ocorridos fora da empresa, onde, na grande maioria dos casos, era inviável exercer qualquer poder de controle.

De fato, antes da medida, as empresas eram responsabilizadas por acidentes de trajeto que, muitas vezes, resultavam da conduta negligente do empregado. Deixar de observar a legislação de trânsito, utilizar veículo sem a devida manutenção, ou simplesmente não exercer direção prudente e segura são alguns exemplos.

A sobrecarga financeira resultante de acidentes totalmente alheios às práticas laborais representava verdadeiro despautério às empresas. Elas se obrigavam à emissão da Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT), ao recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), durante todo o período do afastamento previdenciário, e à garantia da estabilidade provisória de emprego por longos 12 meses, contados a partir do retorno do empregado ao serviço.

Isso sem considerar que a equiparação ocasionava a elevação das alíquotas de apuração do Fator Acidentário Previdenciário (FAP) e a fatal majoração da carga tributária das empresas. Ora, a integração dos infortúnios ocorridos no trajeto, inclusos no rol dos acidentes de trabalho, implicava na automática inflação dos valores a serem recolhidos a título dos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) e na consequente oneração da folha de pagamento.

Ao interpretar esse panorama desproporcional, a MP retirou a natureza trabalhista dos acidentes de trajeto e conferiu ao empregado que se acidenta no percurso para o trabalho ou no retorno para a sua residência apenas o direito à percepção do auxílio-doença comum. Dessa forma, o empregador desvincula-se da obrigação de conferir a estabilidade provisória de emprego após a alta previdenciária. Assim, não se trata de retirada de assistência previdenciária ao empregado, mas tão somente de alteração da classificação do benefício.

Além de representar significativa economia de recursos financeiros, haverá limitação da responsabilidade das empresas apenas às ocorrências havidas durante a prestação dos serviços. Dessa forma, os empregadores se tornarão menos vulneráveis às decisões judiciais que antes tendiam atribuir-lhes o dever de arcar com os encargos trabalhistas oriundos de acidentes. Situações que sequer contribuíram ou possuíam condições de evitar.

Em virtude da natureza comum do acidente de percurso, o empregador ficará isento ao recolhimento de FGTS durante o período de suspensão do contrato de trabalho. Além disso, contará com notória redução dos valores recolhidos a título de RAT, o que impactará direta e positivamente nas suas receitas.

A diretriz estabelecida pela MP, no que concerne aos acidentes de trajeto, é corolário do novo panorama econômico-financeiro nacional. Essa fase é marcada pela desburocratização e flexibilização das relações de emprego, pelo liberalismo econômico e pela valorização da autonomia das partes, o que resulta no crescimento exponencial do número de postos de trabalho.

*Advogada da Área Relações de Trabalho e Consumo do escritório Andrade Silva Advogados

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