Criatividade e complexidade na nova economia

11 de novembro de 2020 às 0h06

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Crédito: Freepik

Maurício Antônio Lopes*

Considerado o pai da economia moderna, o escocês Adam Smith foi o primeiro a defender, ainda no século XVIII, que a riqueza das nações se deve à forma como as pessoas e as empresas se especializam em diferentes atividades. Essa divisão de trabalho gera mais progresso quanto maior for o mercado, uma vez que seus participantes podem se especializar em maior número de atividades, gerando mais oportunidades na economia.  Assim, nações se tornam ricas devido à criatividade e ao grau de complexidade que emergem das interações entre indivíduos preparados a desenvolver maior diversidade de atividades geradoras de crescimento e prosperidade.

César Hidalgo e Ricardo Hausmann, cientistas da Universidade de Harvard, iluminaram esse tema em seu Atlas da Complexidade Econômica, no qual demonstram que países desenvolvidos criam condições para que a complexidade surja nas suas economias, ampliando riqueza e progresso.  Para eles, economias são coleções de “capacidades” que podem ser combinadas de diferentes maneiras em atividades e setores adequados à realidade e à visão de futuro do país.  Sob essa perspectiva, as economias mais criativas são capazes de mudar sua estrutura ao longo do tempo, migrando de configurações e produtos mais simples para configurações mais sofisticadas e produtos mais valiosos. Novas capacidades são gradualmente geradas, e novas indústrias usualmente emergem a partir das já existentes.

Criatividade e complexidade na economia são temas essenciais na busca por ampliar não apenas riqueza, mas também o bem-estar e a resiliência da sociedade.  No preparo para a retomada pós-pandemia, muitos países fazem movimentos na direção do chamado Green New Deal — ou retomada verde —, uma espécie de acordo social para reinvenção de práticas de produção e consumo com foco na sustentabilidade, o que exige mudanças econômicas significativas.  Diversos estudos com foco na sustentabilidade indicam possibilidade de redução de emissões de gases de efeito estufa, redução de desigualdade de renda e elevação dos níveis de desenvolvimento humano quando se promove elevação da criatividade e da complexidade na economia.

A bioeconomia entra com vantagem nessa equação, por ser capaz de combinar de forma sinérgica recursos naturais e tecnologias inovadoras, em modelo de produção de base biológica, limpo e renovável.  Através da bioeconomia, o modelo de produção linear, gerador de resíduos, descartes e poluição, é substituído por um modelo limpo e circular, no qual materiais são devolvidos ao ciclo produtivo através da reutilização, da recuperação e da reciclagem.  Essa característica faz da bioeconomia uma plataforma capaz de produzir sinergia entre múltiplas atividades de interesse da sociedade, integrando de forma nunca imaginada as indústrias de energia, alimentos, química, materiais, saúde, dentre muitas outras, criando convergência e complexidade que prometem dominar e fortalecer a economia do futuro.

São abundantes as evidências de que o Brasil é um dos países que mais podem ganhar adotando a bioeconomia como estratégia de superação de seus problemas econômicos, agora agravados com a recessão provocada pela pandemia.  Um estudo recente, liderado pelo WRI Brasil e pela iniciativa New Climate Economy, desenvolvido em parceria com especialistas de diversas instituições de pesquisa brasileiras, demonstrou que a opção pela bioeconomia poderia levar, no horizonte de 2030, a incrementos de R$ 2,8 trilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro — equivalentes a um ano do PIB da Bélgica ou da Argentina —, além de gerar 2 milhões de novos empregos — quatro vezes mais que os atualmente existentes no setor de petróleo e gás no país.

O melhor é que o estudo não prescreve grandes rupturas, difíceis de negociar e viabilizar, mas aponta a oportunidade de se priorizar boas práticas já conhecidas e testadas, que precisam apenas ganhar escala, especialmente em setores como infraestrutura, indústria e agricultura, que se destacam pelo potencial de aumento de produtividade, competitividade, eficiência e geração de empregos, se abraçarem o paradigma bioeconômico.  Tal escolha poderia ajudar o Brasil a reduzir a pobreza e a desigualdade e a cumprir metas econômicas e setoriais, estimulando o crescimento econômico sustentável e tornando o país mais resiliente a possíveis futuras pandemias e outros riscos, como as mudanças climáticas e a degradação dos nossos biomas.

Outra boa notícia é que a ciência brasileira está preparada para tal desafio. Um dos exemplos está na Embrapa, que já possui uma rede de pesquisa dedicada a desenvolver e disseminar modelos de agricultura sistêmica, de baixa emissão de carbono, promovendo sinergias com as indústrias de energia, química, de materiais etc.

Com as instituições públicas e privadas sofisticadas que tem, além de políticas públicas promotoras da sustentabilidade, o Brasil pode criar em prazos curtos um conjunto robusto de projetos capazes de atrair capital privado, tão necessário ao financiamento de investimentos estruturantes que viabilizem sólida participação na emergente bioeconomia.

*Pesquisador da Embrapa mauricio.lopes@embrapa.br

 

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