Desafios econômicos em um cenário de incertezas

2 de dezembro de 2020 às 0h09

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Crédito: Freepik

Pedro Bono*

Quais as perspectivas econômicas para o Brasil em um cenário pós-Covid-19? Responder tal pergunta – que, com motivações razoáveis, surge frequentemente nos cadernos especializados e debates entre pesquisadores do mercado – não é algo simples.

Para além das próprias incertezas em torno da resolução da crise de saúde gerada pela pandemia de coronavírus; em termos econômicos, temos um cenário complexo, heterogêneo e no qual alguns dos efeitos das medidas emergenciais de auxílio – bem como, do redesenho de contratos e renegociação de dívidas no mercado financeiro – ainda não podem ser completamente avaliados.

Peguemos o caso da renegociação de dívidas durante a pandemia, que foi analisada, por exemplo, em relatório divulgado pelo Banco Central no último mês de outubro. Segundo a análise, diante da repactuação de dívidas e definição de prazos estendidos de pagamento, há uma incerteza sobre o risco de tais operações de crédito e, consequentemente, sobre a possibilidade de aumento de inadimplência, fator que, por sua vez, pode ter influência direta no aumento das taxas de juros cobradas pelos bancos, reduzir o acesso ao crédito e, em última instância, impactar a recuperação econômica do País.

Atentos a esse possível risco, como bem destaca o relatório do BC, as instituições financeiras aumentaram suas reservas para se precaver de possíveis calotes. De acordo com dados de agosto divulgados pela Folha de S. Paulo, os quatro maiores bancos do País provisionaram, juntos, R$ 54,96 bilhões ao longo do primeiro semestre de 2020 – valor  91,7% maior do que o mesmo período em 2019.

Dentro dessa equação para entendermos as perspectivas de retomada econômica no País, temos de levar em conta também a questão do equilíbrio fiscal e da retomada de teto de gastos, a qual é esperada para 2021, mas depende, por sua vez, de fatores como a não necessidade de continuidade, para o ano que vem, do auxílio emergencial que, se por um lado, tem servido de apoio essencial para os agentes econômicos mais afetados no contexto atual de crise; por outro, tem um peso significativo para as contas públicas do País.

Vale salientar que a não adoção de medidas para o controle de déficit fiscal (que, segundo o Ministério da Economia, deve fechar o ano na casa R$ 861 bi) pode criar novas pressões sobre o câmbio e influenciar, inclusive, na inflação do País em um cenário de pouco espaço para políticas monetárias de estímulo à economia, conforme afirmou o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, em evento de outubro.

Ademais, de acordo com nota técnica divulgada pelas consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara no último mês de outubro, por exemplo, as ações emergenciais adotadas para o enfrentamento da Covid-19 devem gerar um déficit equivalente a 12,1% do PIB neste ano e provocar um déficit substancial nas contas públicas em 2021.

Dadas estas diferentes variantes, ainda temos de levar em conta que os movimentos de retomada não são uniformes em uma economia complexa e diversificada como a brasileira. Se setores como o agro mantiveram bom ritmo de crescimento mesmo durante os meses mais agudos da pandemia; outros setores, como o industrial, sofrem, inclusive, com a falta de matéria-prima para a retomada plena da produção – muito embora o próprio segmento industrial conte com alguns movimentos positivos de retomada em determinadas regiões do País.

Em uma análise mais geral, analistas têm previsto uma recuperação lenta, porém gradual, da atividade econômica no País. O último Boletim Focus do Banco Central, lançado no fim de outubro, por sua vez, projetou crescimento de 3,47% para a economia em 2021. Já o governo federal tem uma visão mais otimista e projeta crescimento superior a 4%.

O fato é que, como vimos, a recuperação econômica do País dependerá da combinação de uma série de fatores, incluindo o de como governo federal irá equilibrar a necessidade de ajuste fiscal X medidas assistenciais aos agentes econômicos mais impactados pela crise. Somemos a este cenário a possibilidade de uma nova elevação de casos de Covid-19 que já afetou alguns países e pode desencadear no País toda uma série de efeitos adversos de ordem social, econômica e de saúde.

Precisamos, por tudo isso, de cautela na extensão das análises econômicas sobre um cenário pós-pandêmico. É importante, em contrapartida, acompanharmos com atenção os índices, discussões, análises – além dos movimentos políticos e dos órgãos reguladores da atividade econômica do país – que podem nos fornecer, pouco a pouco, mais clareza quanto as perspectivas de futuro e jogar luz sobre um cenário que, em larga medida, ainda apresenta mais perguntas do que respostas

*CEO e cofundador na Receiv.  Doutor pela FGV e professor de gestão de risco de crédito. pedro.bono@receiv.it

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