Desembargador poliglota…

29 de julho de 2020 às 0h10

img
Crédito: Reprodução

Tilden Santiago*

Todo mundo acompanhou, pela mídia, o desacato de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo a um guarda municipal em Santos. Advertido por não usar a máscara, em espaço público, conforme exige a legislação, o desembargador Eduardo Almeida Rocha Prado de Siqueira, que caminhava sem máscara, na orla de Santos, no litoral sul-paulista, não deixou por menos, ofendendo o guarda municipal Cícero Hilário Roza Neto, que trabalhava junto com seu colega Roberto Guilhermino, que tudo registrou em vídeo.

O magistrado ousou ligar na hora para o secretário Municipal de Segurança Pública daquela cidade, reclamando do guarda, “analfabeto e burro”, que lhe aplicara a devida multa. A cena teatral tragicômica terminou com o desembargador rasgando a multa, que acabara de receber e – mais um ilícito – jogando o papel no chão!

Em seu editorial da página 2, de Opinião, de 22/07/2020, o DIÁRIO DO COMÉRCIO, no espaço privilegiado muito lido de nosso jornal, considerou o espetáculo deprimente, tendo o magistrado como protagonista e manifestou um veemente repúdio a quem deveria dar sempre bom exemplo. Os homens públicos, além de cumprirem suas tarefas funcionais, deveriam ser modelos de comportamento civilizado, até mesmo humano e fraterno, como servidores que são do povo brasileiro.

Além de somar e aplaudir a iniciativa do DC, que um dia me ensinou a fazer jornal, queria hoje como colaborador, comentar algo mais.

O jurista, grande ou pequeno, que exerce a função profissional e constitucional de julgar seus concidadãos, não pode se irritar levianamente e demonstrar tamanha arrogância e um exibicionismo exagerado ao se expressar em francês, ao guarda e dizer sem mais nem menos que é professor em Paris. Grande coisa! Jurista ou professor, quando é bom, o é em qualquer lugar da Terra! Mal sabendo o desembargador Siqueira que o guarda desacatado, embora numa função que não é tão prestigiada, o Cícero Hilário, graduado em Segurança Pública e pós-graduado em Direito Educacional, soube na sua simplicidade contagiante e calma impressionante, não responder com a mesma moeda.

Ninguém aprende samba no colégio! Nem respeito, tolerância, humildade, realismo, verdade e humanismo numa Faculdade de Direito. São qualidades que vêm do berço, do lar e de um bom ensino fundamental. Que uma faculdade pode sim e deveria complementar.

Impossível a esse escriba, como cidadão, professor, político, embaixador, sacerdote itinerante, aos 80 anos, não pensar nos momentos trágicos que vive a Nação, com uma multidão de políticos e homens públicos: uns corruptos, outros coniventes com a corrupção sistêmica e outros ainda como o desembargador Siqueira, com o peito condecorado de medalhas e ilícitos penais. Fico imaginando os guardas Cícero e Roberto multando Jair Bolsonaro, sem máscara, como ele gosta de aparecer, passeando pela orla santista.

O problema é que, quando o clima de obscurantismo, de palavrões, de ineficácia administrativa, de falta de planejamento, de brincadeira de mau gosto de pátio de quartel, de desprezo à ciência e de humanismo, de queda da ética, de orgulho e de vaidade, de ganância do poder pelo poder invade o Planalto, os baixos instintos de homens, como o desembargador Siqueira, vêm à baila para ousar se expor como personalidades e portadores de diplomas, conhecimento de línguas, títulos e medalhas. Mas tudo isso frequentemente sem conseguir esconder seus ilícitos.

*Jornalista, embaixador e sacerdote itinerante

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail