A alta administração federal entende que propõe um choque de modernidade ao imaginar o que compreende ser um Estado mais leve, focado exclusivamente nas suas funções básicas, deixando de lado mesmo aquelas que podem ser consideradas estratégicas, como a área de energia e, particularmente, de combustíveis.
Foi em nome dessas convicções, não raro aplaudidas a partir de avaliações ligeiras, que os preços dos derivados de petróleo foram atrelados às cotações internacionais, que representam no mundo real o exemplo mais notório de especulação e de manipulações políticas internacionais. O Brasil, contraditoriamente, alcança autossuficiência em produção de óleo cru e ao mesmo tempo cai nessa armadilha e promove uma escalada de preços que envolve riscos bem mais amplos, considerada a dependência do transporte sobre rodas, movido a óleo diesel.
Das consequências dessa orientação nos fala o presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, Paulo Miranda Soares. Para ele, caso as privatizações e concessões não sejam feitas “de forma responsável” o apagão no abastecimento é hipótese que terá de ser considerada.
Para ele, se o mercado for aberto da forma que o governo anuncia, tudo ao mesmo tempo e não paulatinamente, certamente teremos uma situação semelhante à ocorrida no governo Fernando Henrique com a energia elétrica.
A abertura, que muitos entendem como sinal de modernidade, pode até ser levada adiante, diz o empresário, mas não sem que antes o governo melhore a infraestrutura. E dá como exemplo a Refinaria Gabriel Passos, em Betim, uma das unidades da Petrobras apontadas como “privatizáveis”.
Se hoje ela parar para manutenção, o próprio governo supre a demanda a partir de outros fornecedores, porque esta é uma questão estratégica. Uma empresa privada provavelmente não terá essa visão, muito menos essa obrigação.
O diretor da Agência Nacional do Petróleo, Aurélio Amaral, presente à mesma reunião, não enxerga os riscos apontados. Para ele, mesmo que não se saiba exatamente qual será, de fato, o rumo das privatizações, existem estudos que descartam a possibilidade de apagão, repetindo o discurso de governos anteriores que realizaram movimentos semelhantes prometendo concorrência, investimentos e melhor atendimento, inclusive quanto a preços, hipóteses que não se confirmaram na escala prometida. Ou finge também não enxergar que já é cobrado mais de R$ 5 pelo litro da gasolina, enquanto o diesel vai se transformando numa bomba em cujo pavio os caminhoneiros abertamente ameaçam tocar fogo.
O que não faz sentido mesmo é continuar tratando como político um assunto que é econômico ou, antes, estratégico.