EDITORIAL | Armadilha da concentração

24 de janeiro de 2020 às 0h02

img
Crédito: Marcos Santos/USP Imagens

O planeta está mais rico, mas sua população está mais pobre. Num resumo objetivo esta seria, muito provavelmente, a principal conclusão dos participantes do Fórum Econômico Mundial, realizado esta semana na Suíça. Em primeiro lugar, constatou-se que a economia global vem crescendo mais lentamente que o esperado, sem que tenha alcançado plenamente recuperação depois da crise financeira de 2008/2009. Pior, nesse período a concentração da renda aumentou, produzindo uma situação provavelmente inédita, em que a riqueza de apenas 2,1 mil indivíduos, todos com patrimônio superior a U$ 1 bilhão, acumulam mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas, número que representa 60% da população global. O estudo, assinado por uma rede de organizações não governamentais conhecida como Oxfam, sustenta que o número de bilionários dobrou na última década, enquanto quase metade da população planetária sobrevive, ou tenta sobreviver, com menos de U$ 5,5 por dia.

Esta situação, conforme os debates realizados em Davos, pode ajudar a explicar a instabilidade política atual, quase planetária também, e situações de conflito aberto, como vem acontecendo em países da África, América Latina e até na Europa. Foi lembrado durante os debates que entre os anos de 2011 e 2017 os salários nos países que integram o G-7 tiveram aumento real de 3%, enquanto no mesmo período os dividendos pagos cresceram 31%. Caberia indagar por quanto tempo mais tal desequilíbrio poderá ser sustentado e não necessariamente por conta de pressões políticas. Alguém lembra que concentrar a renda significa também reduzir consumo e mercados, numa lógica que não tem como ser sustentada indefinidamente.

Potencialmente, está sendo colocada uma questão que atinge e ameaça aqueles que hoje se beneficiam do processo de concentração da renda, numa escalada que, contraditoriamente, adiante poderá se revelar inútil e sem sentido, uma vez que ao contrário de expandir mercados, de criar demanda, a concentração de renda produz efeito contrário. Propositadamente, coloca-se uma questão cruamente pragmática, sem levar em conta direitos individuais ou a busca do bem-estar coletivo a partir de um sistema econômico equilibrado.

As questões levantadas no Fórum Econômico Mundial também podem ser vistas com absoluto pragmatismo, linguagem talvez de mais fácil compreensão nessa órbita. A concentração da renda pode, para os que dela se beneficiam, uma vantagem imediata mas, se percebida em  todas as suas implicações, pode também ser o contrário, com o encolhimento dos mercados acabando por se transformar na corda que enforcará os que hoje se beneficiam, do desequilíbrio verificado.

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail