EDITORIAL | Fartura não mata fome

28 de outubro de 2020 às 0h15

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Crédito: Pixabay

A economia global padece de um desequilíbrio estrutural, que se tornou mais evidente neste ano de 2020 por conta da pandemia, cujos efeitos, avaliam alguns especialistas, são em parte ainda desdobramentos da crise financeira de 2008/2009. O planeta, quase que por inteiro, alterou a lógica da produção e do comércio, que estão na gênese de todo o processo, pela falta de lógica da especulação.

Resumindo, dinheiro fazendo dinheiro sem a necessária agregação de valor. Um processo que foi chamado de “ensandecido” e que levou o planeta à beira do precipício em que não mergulhou porque os países ricos salvaram seus bancos e suas grandes empresas. Perversamente com dinheiro público, que no final das contas reforçou a concentração de renda e aumentou a pobreza planetária.

Nos momentos de maior pânico, em 2009, alguns governos emitiram sinais de bom senso, anunciando que as distorções seriam corrigidas, acabando com a especulação em favor da produção e do consumo mais racionais. Uma fórmula que então parecia ser de consenso, mas que durou pouco, posta de lado, esquecida, tão logo as sirenes de alarme deixaram de soar. Eis porque a instabilidade prosseguiu nos últimos dez anos, sem que se alcançassem os níveis de crescimento esperados, menos ainda a redução das desigualdades, problemas que já eram apontados em 2019 e este ano, com as novas circunstâncias, ganharam proporções dramáticas.

Dessa realidade temos uma amostra próxima e bastante ilustrativa. Este ano, no Brasil, com todas as dificuldades enfrentadas, mais desemprego e a dramática redução da renda, os preços dos alimentos subiram muito além da inflação, em alguns casos até mais de 40%. Efeitos da lógica, ou da falta de lógica, de que estamos falando. Para alguns, nada mais natural. Preços e demanda subiram no exterior, o dólar valorizou e produtores apenas seguiram as regras de mercado.

Suprema ironia, no País que já é chamado de “fazenda do mundo” porque lidera a produção de proteína animal, além de diversas culturas de vegetais, como soja e milho, a fome está aumentando. O que os técnicos chamam de “insegurança alimentar” havia caído de 34,9% dos domicílios em 2004 para 22,6% em 2013 para chegar a 37,6% em 2018. Pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) estimam que esta tendência se manteve nos últimos dois anos.

O candidato a celeiro do mundo, repetindo a antiga expressão, pode ser capaz de ocupar a posição de maior fornecedor de alimentos à China, exibe ganhos de produção e produtividade que aumentam a cada ano que passa, é também o país onde a fome está aumentando. Pensar no significado dessa situação é exercício obrigatório.

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