A Covid 19 mudou radicalmente as relações entre as pessoas, entre pessoas e governos, entre todos o tempo todo, em todos os níveis – municipal, estadual e federal -, na política, na economia e no campo social. Neste cenário inédito na história brasileira, uma antiga questão, sempre presente e instigante, volta com força à pauta de debates: qual deve ser o tamanho do Estado e sua missão na economia?
Antes da pandemia, o cenário era o de um Estado que ensaiava afastar-se cada vez mais. Desde que a doença agravou-se, e até hoje, o Estado vem intervindo fortemente. Neste momento, na expectativa de que a vacinação cumpra o seu papel, e na esperança de que voltemos ao normal, ou a um novo normal, como imaginam muitos, emerge a pergunta que não quer calar: Estado ou Mercado?
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Por necessário, registre-se que o Estado interveio para garantir a renda e sobrevivência das pessoas, de suas famílias e também das empresas, especialmente micro, pequenas e médias. Empréstimos em condições especiais para suprir capital de giro, flexibilização da legislação trabalhista, como a suspensão temporária dos contratos de trabalho, a redução da jornada e a prorrogação dos prazos para recolhimento de impostos, contribuíram para a preservação de empregos. Com o auxílio emergencial, que agora volta à cena, o governo garantiu renda e consumo para trabalhadores e famílias mais carentes. Com isso, a economia continuou funcionando de forma razoavelmente satisfatória, como mostrou o balanço do segundo semestre de 2020.
Diante do cenário dramático criado pela pandemia, e do relativo êxito das intervenções do governo, no Brasil e em todo o mundo, o velho debate voltou à pauta, colocando, de um lado, defensores do centralismo e do dirigismo estatal – e, de outro, defensores do livre mercado e da livre economia. Neste contexto, uma questão se coloca: no pós-pandemia deve prevalecer o modelo econômico com mais presença do Estado? Entendo que não e, como não se trata de mais um Fla-Flu no nosso dia a dia, coloco à disposição dos leitores informações e fundamentos que sustentam minha crença.
Grande parte da humanidade convive há mais de um século com a chamada economia moderna – e, com ela, atravessou a primeira revolução industrial, ainda no século XIX, a explosão demográfica que ocorreu simultaneamente à migração do campo para as cidades, a produção em massa e a revolução digital, ainda em curso. Neste período, muitos modelos foram testados mundo afora, com sucessos e insucessos – são bem conhecidos os impactos de cada um sobre a sociedade e sobre as pessoas. Hoje, os modelos vigentes – mais liberais ou mais estatizantes, mais livre ou mais fechados – sofrem críticas e desgaste por não terem sido capazes de resolver adequadamente todas as necessidades e aspirações do ser humano.
De fato, ajustes e correções de rumo são necessários, mas certamente não será pela via do confronto e do sectarismo que serão viabilizados. É preciso entender que este é um falso dilema e que, na verdade, a economia não pode prescindir do Estado e muito menos da iniciativa privada – cada um com seu papel e missão legítimos. Precisamos de ambos. O Estado tem suas atribuições básicas e fundamentais – educação, saúde, segurança – e a elas deve se ater, com presteza, eficiência e eficácia. É fundamental um Estado esbelto, atlético, ágil e musculoso, com força suficiente para assegurar a lei e a ordem, políticas públicas, o correto funcionamento da regulação, segurança jurídica e a desburocratização. Enfim, precisamos de um Estado capaz de criar ambiente estável e favorável para os cidadãos e para os empreendedores, que também são cidadãos. Ao assim fazer, o governo estará fomentando negócios, investimentos, induzindo a produção, empregos e criação de riqueza para o Brasil e os brasileiros.
Com certeza, não cabe ao Estado ser empregador e, sim, ser o promotor indireto de trabalho, que deve ser criado pela iniciativa privada. Quanto mais o país for aberto à iniciativa privada, mais empresas teremos, mais produtos e serviços, mais competição, com benefícios diretos na qualidade e preços para a população. Às empresas, em essência, cabe correr riscos, criar riqueza de forma sustentável, com zero ou reduzido impacto ambiental, e, de forma justa, distribuir os frutos do crescimento econômico.
Assim como o Estado tem compromisso inalienável com o bem comum, a iniciativa privada tem obrigação semelhante, também inalienável, com a dignidade das pessoas. Todo empenho e foco dos setores público e privado deve ser, necessária e prioritariamente, com a vida, com o desenvolvimento humano integral que implica no bem-estar material, social, cultural e espiritual. A missão conjunta, e mais nobre, é fazer com que as pessoas sejam felizes, com qualidade de vida compatível com a dignidade humana. Este é o compromisso maior do qual jamais devemos abdicar. Não podemos aceitar um Estado perdulário e empresas comprometidas exclusivamente com o lucro.
Quem sabe a pandemia, que tanto impactou nossos sentimentos e mudou as relações da humanidade, contamine a economia com o legado da fraternidade e da ética humana. São valores indispensáveis para alcançarmos a divisão mais equitativa de recursos, a igualdade de oportunidades e a justiça entre as pessoas. Deus nos concedeu o livre arbítrio e a inteligência para fazermos escolhas. A lição sabemos de cor, só falta coragem e determinação para colocarmos em prática. Só depende de nós!