Manutenção de malhas viárias 

17 de outubro de 2019 às 0h01

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Crédito: Divulgação

Elci Pessoa Jr.*

Nossa 112ª posição entre 140 países avaliados no ranking de qualidade de rodovias, divulgado no World Economic Forum (2018) – no qual países vizinhos como o Chile (24ª posição) e Equador (29ª posição) foram melhor avaliados – não deixa dúvidas de que precisamos reexaminar todas as nossas premissas relacionadas ao setor. Definitivamente, não podemos continuar atuando da mesma forma, sob pena de não modificarmos esses incômodos resultados.

Mudar esse cenário sem dúvida demanda uma elevação do percentual do PIB aplicado em infraestrutura. Não obstante, mudanças estratégicas quanto à gestão de pavimentos e políticas de investimentos em obras também certamente precisam ser revisadas. No Brasil, quando se fala, por exemplo, em ações, sobretudo quando municipais, de conservação de vias públicas, quase sempre os debates se desenvolvem acerca de programas do tipo “tapa-buracos”, quando na verdade esses serviços não são exatamente definidos como ações de conservação, mas sim de restauração de pavimentos.

Se temos muitas de nossas vias esburacadas, é claro que precisamos atuar no sentido de restaurá-las, no entanto é preciso ir para muito além disso e perceber que é bem mais econômico evitar que os buracos surjam do que sair simplesmente “tapando-os”. Dados médios de mercado demonstram que o custo de um metro quadrado de remendo superficial é de cerca de R$ 60,62; e se a situação requer remendos profundos (onde a camada de base já foi danificada), esse custo pode chegar a R$ 174,67 por metro quadrado. Por outro lado, se o Estado atuar de maneira preventiva, identificando o momento ótimo para proceder ao rejuvenescimento do revestimento, o custo dessa atuação pode se situar no patamar de até R$ 6,52 – quase 10 vezes menor, portanto, que aquele necessário para tapar os buracos que fatalmente em breve surgiriam.

E esse “em breve”, na prática, realmente significa muito pouco tempo. Estudos realizados em São Paulo demonstram que um atraso de apenas dois anos pode fazer migrar uma solução de rejuvenescimento para a necessidade de restauração do pavimento. Isso deixa claro que, para além de fechar os buracos, precisamos parar de “produzi-los”. Se o poder público não destinar uma parcela dos seus investimentos para ações de verdadeira conservação de sua malha viária, estará fadado a eternamente gastar muitas vezes mais para remediar as consequências.

Destaque-se ainda que a economia alcançada com uma boa política de conservação de rodovias é ainda maior quando se percebe que a melhoria do estado dos pavimentos atinge diretamente a população e o setor produtivo: estudos do Dnit também já quantificaram que a passagem de um pavimento de uma avaliação boa para ruim implica em incremento de 58% no consumo de combustível; 38% na manutenção dos veículos; e de 50% nos índices de acidentes.

Entretanto, a mudança de paradigma requer também uma estruturação e capacitação do corpo técnico para a tomada das melhores decisões: qual o momento ideal para o rejuvenescimento do pavimento? Qual a solução ideal para a reabilitação de cada trecho?

Os engenheiros responsáveis, em casos de restauração, precisam perceber, em um cenário dinâmico – as patologias costumam evoluir de gravidade de modo exponencial, e isso pode ser perceptível, muitas vezes, até mesmo entre o momento do projeto e o da execução da obra –, se é mais econômico executar remendos (superficiais ou profundos) ou promover uma fresagem e reconstrução total do revestimento ou até mesmo uma reciclagem do pavimento (que inclui a reestabilização da camada de base, com ou sem adição de materiais). E, para isso, precisam avaliar não só as diferenças de custo entre as intervenções em pequenas e grandes áreas (maior ou menor grau de mecanização), bem como a própria vida útil remanescente do pavimento (pós-intervenção).

Nesse sentido, em números preliminares, o custo médio por m2 de uma solução consistente em fresagem e reposição de um novo revestimento é de R$ 42,61, e o custo médio por m2 para reciclagem de um pavimento e reposição de um novo revestimento é de R$ 58,02. Desse modo, tem-se por inviável a execução de tapa-buracos (R$ 60,62 por m2) quando estes corresponderiam a mais que 70% da área da via; e, de modo análogo, é inviável economicamente a execução de remendos profundos (R$ 174,67 por m2), onde as áreas comprometidas correspondem a mais que 1/3 da pista total. E quando levamos em consideração que ao promover a restauração completa da via a vida útil da área ainda não danificada é também plenamente restabelecida, essa solução se mostra ainda mais vantajosa economicamente.

Enfim, como se percebe, para que abandonemos nossa infeliz posição de número 112 no cenário mundial, faz-se necessária a conjugação de decisões políticas com intervenções técnicas racionais, estruturação e capacitação técnica do setor.

* Engenheiro consultor da New Roads; Consultor Internacional da Niras-IP Consult (Alemanha), para supervisão de Obras Rodoviárias; e autor do livro Manual de Obras Rodoviárias e Pavimentação Urbana

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