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Opinião

O Corvo (XXXIV)

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  • Por Diário do Comércio
  • Em 3 de agosto de 2019 às 00:01
Crédito: Divulgação

Marco Guimarães *

Com as luzes do cinema acesas, vejo que a mulher de veste negra e capuz na cabeça continua sentada no mesmo lugar, impassível como antes, como se fosse uma estátua. Faço menção de lhe perguntar quem é, mas desisto ao ver que as luzes do cinema se apagaram e começou outra projeção.

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Vejo-me agora em Paris, dirigindo meu carro na Rue Pascal. Meu telefone toca e, para atendê-lo, cansado como estou, estaciono o carro em frente ao Hotel da Esperança. Digo bom-dia, mas não ouço resposta. Verifico, então, que a ligação caíra ou que desligaram. Tento identificar o número para retornar, mas não havia identificação. Deixo, então, o telefone no banco do carona, abro a porta e saio. Caminho pela Rue Pascal em direção ao Boulevard Arago, mas, quando chego lá, resolvo voltar. Ao passar pelas escadas que dão acesso ao Boulevard Port Royal, paro, parecendo hesitar em subi-las. Momentos depois, vejo-me na metade das escadas, com a visão um pouco obstruída por uma forte descarga elétrica que acabou de cair. Mesmo assim, sigo adiante e, prestes a deixar as escadas, sinto que um pássaro passa rente à minha cabeça.

Quando chego ao Boulevard Port Royal, noto que, talvez por ser muito cedo, não havia ninguém nas ruas, exceto um corvo, provavelmente o mesmo pássaro que acabara de passar por mim. Tive a impressão de estar sendo examinado por ele, mas logo volto os meus pensamentos para o mistério que envolvia o sequestro e o inexplicável desaparecimento de uma menina e de sua sequestradora. Muito cansado, resolvo encostar-me num dos pequenos muros de cimento que guardam a entrada das escadas.

Minhas pálpebras parecem ter aumentado de peso e dão sinal de que cederiam à força da gravidade em mais alguns instantes. Por três ou quatro vezes, elas descem e sobem, tal como a cortina de um teatro quando cai do teto e torna a subir, a fim de que os atores recebam os aplausos do público. Eu tento manter o estado de vigília, mas acabo cochilando. Contudo, meu cochilo é logo atrapalhado por um constante ruído, que meu entorpecido estado faz crer ser alguém batendo em alguma coisa. Com alguma dificuldade, abro os olhos; não há vivalma. Mais uma vez, deixo-me narcotizar pelo meu insistente cansaço. O barulho se fez mais forte e é agora acompanhado por uma voz rouca: Acorde.

Eu acordo, ainda meio sonolento, e faço uma varredura com o meu olhar em busca do dono da voz. Não encontro vivalma. Volto, então, a fechar os olhos e durmo novamente.
As imagens projetadas na tela começam agora a mostrar que uma ou outra pessoa aparece caminhando em direção a um ponto de ônibus quase na esquina com a Rue de la Glacière, parada do 91, que vai até a Gare de Lyon.

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Pela terceira vez, fecho os olhos, mas não durmo; o ruído que antes me acordara volta a se repetir. Abro, então, os olhos e ouço alguém:

— Eu sei para onde foram. Olho em volta e não vejo ninguém, exceto três pessoas do outro lado, paradas diante do ponto do 91 e dois corvos, que pareciam trocar informações entre si. — Eu sei para onde foram.

Não encontrando um interlocutor, viro-me para o corvo e digo:

— Pois é, meu amigo, somos só você e eu, e como você não pode falar, as vozes que ouço talvez me indiquem um início de loucura.
— E quem disse que eu não posso falar?
— Cansado como estou, meu amigo, nem vou me espantar. Talvez esteja dormindo, sonhando com este caso.
— Você não está dormindo coisa nenhuma. Aqui alguns animais podem falar, mas nem todas as pessoas podem ouvi-los.
— E por acaso eu posso.
— Isso mesmo, você pode.
— Bem, seja lá como for, eu preciso encontrar a menina sequestrada, e, se para isso for necessário ouvir um corvo falante, vamos lá.
— A menina que você procura deveria ter um carro a sua espera no Boulevard Port Royal tão logo deixassem a escada, não é isso?
— Passou pela minha cabeça que isso poderia ter acontecido, sim, por isso deixei a hesitação de lado e subi as escadas até aqui. Mas era apenas mais uma suposição, dentre tantas outras que fazem parte da minha investigação. Contudo, como você faz essa afirmação com tanta certeza?
— Acabo de ser informado pelo amigo aqui — disse ele, virando-se para o corvo a seu lado.
— Ah, tá. Deixa ver se eu entendi. Você está dizendo que o corvo a seu lado lhe informou que sabe para onde a mulher e a menina Aline foram, não é isso?
— Isso mesmo. Ele ouviu a mulher dizer: “Onde estão esses dois desgraçados e o carro para nos levar a Fixin?”
— E onde elas estavam quando a mulher disse isso?
— Aqui. Já lhe explico: os raios que caem sobre a cidade abriram um portal para um mundo paralelo justamente ali na saída das escadas que desembocam neste Boulevard. Elas estavam na escada no exato momento da abertura do portal e foram transportadas para cá; e eu, inadvertidamente, deixei-me levar para o seu mundo. Consegui retornar agora, quando o portal novamente se abriu, trazendo você para cá.
— Mundo paralelo! Corvo que fala! Não pode ser verdade. Estou dormindo.
— Esses são os fatos. Se não acredita, vamos lá, tente descer as escadas e veja por si mesmo. Seu carro não estará lá, porque “lá” não faz parte do mundo de onde veio, o “lá” onde seu carro deveria estar e não está, é o aqui, entendeu? Só seria possível ver o seu carro se o portal se abrisse e você voltasse a sua dimensão.
— Está bem, está bem. Supondo ser tudo isso real, como faço, então, para pegar a garota e voltar? — pergunta o capitão.
— Com todas essas mudanças climáticas, o portal está se abrindo a todo momento. Não se preocupe, você terá tempo suficiente para encontrá-las. Como já sabe, a mulher e a menina foram para Fixin, na Borgonha.
— Bem, Sr. Corvo, se estiver sonhando, quando acordar seguirei a sua sugestão, irei para a Borgonha.
— Nos sonhos começam as responsabilidades, meu amigo. Nos sonhos começam as responsabilidades. Você é responsável pela vida dessa menina. Sabe muito bem o que fazem com meninas sequestradas; ela será vendida como escrava sexual ou terá seus órgãos cirurgicamente removidos para atender ao mercado negro de transplantes.
— Uma pergunta. Por que você, que é tida como ave agourenta, me ajuda e desperta em mim uma esperança?
— Lá no seu mundo, a Europa cristã nos fez perder o valor que tínhamos e nos impôs uma simbologia sinistra, associando-nos a maus espíritos. Para piorar, um importante poeta tido como o maior escritor da língua inglesa, um tal de Shakespeare, se encarregou de nos cantar em seus escritos como aves agourentas. Quando viemos para cá, resgatamos nossa boa fama e passamos a conseguir nos comunicar com alguns de vocês. Voltamos, com nossos voos altos, a orientar os viajantes em suas jornadas e, além disso, podemos prever tempestades. Poderíamos também resgatar a nossa cor branca.— Pera lá, você disse cor branca?
— Foi isso mesmo que você ouviu.
— Na Antiguidade nossa plumagem era branca, mas um de nossos antepassados foi designado por Apolo para guardar a sua amante, Coronis. Ele se distraiu e ela fugiu; Apolo, então, nos castigou e, assim, nos tornamos o que somos. Fizemos um plebiscito aqui e quase todos optaram por ficar com as penas pretas. Eu fui um dos que votei a favor da continuidade. A minha geração e a geração da maioria dos meus antepassados nasceram na cor negra e não vemos motivos para trocar. Mas esqueçamos isso. Vamos, arranque a fórceps o cansaço de seu corpo, não perca tempo. O ônibus que o levará à Gare de Lyon está vindo, corra!

Eu atravesso a primeira pista do Boulevard Port Royal. O ônibus já estava no ponto, o último passageiro já havia entrado e a partida seria iminente. Acelero e gesticulo para o motorista. Mas subitamente levo a mão ao peito e caio a poucos metros do ônibus.

*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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  • Tags: Marco Guimarães, O Corvo
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