O Papa “herege”

4 de maio de 2019 às 0h01

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Crédito: Tomaz Silva/Abr

Cesar Vanucci *

“O radical é alguém com os pés firmemente plantados no ar.” (Franklin Delano Roosevelt)

Retomamos, como prometido, o desconcertante tema das coisas estranhas soltas no ar, em tudo quanto é canto, que andam ensombreando os horizontes na hora presente. São sinais perturbadores. Provocam espantos e geram inquietações, já dissemos.

A exacerbação fundamentalista, disseminada mundo afora, fonte matricial de iradas desavenças que colocam, volta e meia, em xeque a concórdia entre os homens e alveja, implacável e perversamente, a dignidade humana, dá mostras sobejas de seus propósitos de sabotar a evolução civilizatória.

A pretextos os mais esdrúxulos, os fundamentalistas de todos os matizes ideológicos esforçam-se por compor ordem de vida em visceral desarmonia com as crenças humanísticas e espirituais que apontam os caminhos corretos a percorrer na jornada existencial.

A ofensiva desvairada de grupos ultraconservadores contra o magnífico Papa Francisco, acusando-o de herege, é uma demonstração eloquente a mais da conspiração obscurantista em marcha contra os direitos fundamentais.

Tais direitos – vale anotar sempre – fazem parte indissociável da cidadania humana. Derivam de recomendações expressamente contidas na mensagem serena e objetiva em prol da prosperidade social, chegada do fundo e do alto dos tempos. Mensagem que encontrou num papa providencial, único grande estadista do mundo contemporâneo, magistral e convincente arauto.

Em carta aberta de 20 páginas, elementos pertencentes a retrógrado movimento “integrista católico” – que estão para a Igreja, no campo das ideias, sem ostentar obviamente o furor bélico terrorista, assim como os fanáticos jihadistas estão para o Islã – acusam o Sumo Pontífice de atitudes heréticas.

O radical grupo utilizou sítio dito católico, ultraconservador, intitulado “Lifesitenews”, frequentemente empregado como plataforma para ataques ridículos às prédicas e decisões de Francisco, para proclamar que as “palavras e ações do Papa Francisco, ao longo de vários anos, deram origem a uma das piores crises da Igreja Católica.” Dos 19 signatários do documento, padres e acadêmicos, o mais conhecido é um teólogo inglês dominicano, Aidan Nichols.

O texto sustenta que Francisco vem se revelando “negligente” diante de uma lista de assuntos de conteúdo doutrinário. Os autores são de parecer que ele não tem se posicionado “abertamente o bastante” contra o aborto. Mostra-se, de outra parte, “condescendente” quanto ao homossexualismo e “tolerante em demasia” com relação a pessoas que professam outras religiões, caso dos protestantes e muçulmanos, por exemplo.

Trecho expressivo da crítica se concentra na “Amoris Laetitia” (“Alegria do Amor”, em tradução livre), encíclica considerada por especialistas básica num trabalho evangelizador que tende a fazer da Igreja Católica, com seus 1,3 bilhão de seguidores, instituição mais inclusiva e menos condenadora. No pronunciamento em foco, Francisco clama por uma Igreja menos restritiva e mais compassiva, que se capacite a usar mais eficazmente a misericórdia e a caridade na avaliação do comportamento dos dramas pessoais humanos.

Fica bem claro, nessa manifestação extremista, que aos críticos de Francisco desagrada profundamente o combate sem tréguas por ele movido às imposturas que retardam o desenvolvimento social, impedindo o acesso de multidões de excluídos às conquistas do bem-estar favorecidas pelos avanços tecnológicos. Os adversários do Pontífice não ocultam seu desassossego quando ele vergasta a ordem econômica e geopolítica injusta vigente. Quando condena a ganância e o utilitarismo egoísta de muitas lideranças influentes na condução dos destinos humanos.

A verdade, amor, a justiça aplicados ao campo social, acenando com transformações sociais necessárias e urgentes, convocando a sociedade a práticas ecumênicas e realizações que se inspirem nas leis naturais para uma construção social justa, são palavras sábias ditadas por Francisco que esse pessoal de mente obtusa ousa classificar de heréticas. Não é nada complicado compreender porque esses ataques a Francisco acontecem nestes tempos violentos onde o jogo das conveniências de setores poderosos cria obstáculos de difícil transposição no sentido de impedir sejam molestados seus privilégios e prerrogativas.

Quanto aos radicais aglutinados na censura a Francisco, a eles se ajusta, com primorosa adequação, o conceito de Roosevelt que encima este comentário.

  • Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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