Proposta de transformação: um capitalismo consciente (I)

27 de maio de 2020 às 0h11

img
Crédito: Pixabay

Nair Costa Muls*

Considero um avanço inominável, nunca antes pensado: o mundo dos negócios propondo uma transformação da lógica do capital, visando uma distribuição justa da renda de modo a compensar o trabalho e não só assegurar a maximização do lucro.

Será isso possível? O mais interessante é que a percepção dessa necessidade partiu dos próprios empresários, de executivos de grandes corporações, que, a partir de suas vivências, perceberam alguma coisa errada: a extrema concentração da renda de um lado e a extrema desigualdade e exclusão do outro. E mais: que algo deveria ser feito para corrigir esse desequilíbrio!

Impressionada fiquei, pois o meu caminho de descoberta dessa injustiça radical foi através do olhar da Sociologia (assim como da História, da Economia e da Política) com a leitura de autores seminais na análise do capital: Marx e Engels, mas também Lenin, Gramsci e vários outros autores, já de nossos tempos, que aprofundaram, criticaram ou iluminaram a obra de Marx. E aí, um ponto fundamental, a lógica do capital: os dono dos meios de produção (do capital) precisam da força de trabalho representada por aqueles que só dispõem do seu trabalho.

Mas, defendendo seus custos e suas responsabilidades (!) chamam para si a maior parte do rendimento obtido na venda do produto, da mercadoria, pagando aos operadores de suas máquinas o mínimo necessário para a sobrevivência dos mesmos. Ficam com a mais-valia, ou seja, com o lucro. Essa captação, aperfeiçoada através dos tempos com a invenção de novas máquinas e processos de trabalho, aumentou a produtividade do trabalhador, mas não os seus ganhos.

E chegamos a um capitalismo perverso, trazendo no seu bojo uma altíssima concentração da renda e uma terrível desigualdade social com a consequente exclusão da maior parte da população, além da devastação dos recursos naturais.

O mais interessante é que a percepção da necessidade de mudança do modelo econômico ocidental está crescendo. Nos EUA, o Roosevelt Institut, no estudo “As novas regras para o século XXI”, chama a atenção para pontos fundamentais a serem revistos para que o capitalismo volte a funcionar: entre eles, a inclusão dos trabalhadores e de uma faixa mais ampla dos “stakeholders” nas decisões da empresa para que esta possa atender não só aos seus interesses maiores, mas também aos interesses de todos os que contribuem para a produção, assim como aos da sociedade em geral.

O movimento Capitalismo Consciente (com sede em São Paulo) busca esse mesmo objetivo. Não sei se seria esse o caminho verdadeiro de uma transformação do capitalismo e de construção de um novo modo de produção. Terão os donos do capital, produtivo e financeiro ─ agora o verdadeiro dono do pedaço ─ uma real disposição para verem diminuídos os seus lucros?

As discussões trazidas pelo Encontro #Juntos Pelas Empresas de Minas, uma iniciativa do DIÁRIO DO COMÉRCIO em parceria com o Movimento Capitalismo Consciente Brasil, a L4B Legacy 4 Business e a Business Tomorrow, apontou, de maneira insofismável para a necessidade de mudança. Foi uma discussão riquíssima, que, além de situar sem medo os reais problemas desse modo de produção, apontou caminhos para mudança e se dispõe a agir.

Os palestrantes, representantes das empresas e grandes corporações mineiras e de suas entidades de classe, do setor público e da universidade: ArcelorMittal, Gerdau, MRV, Vivo, Neo Ventures, Brain/Algar, Fundação Pitágoras, Fiemg, FDC, BDMG, Prodemge, Indi, CNPq e Fundep, esses últimos muito bem representados pelo prof. Evaldo Vilela, ex-presidente da Fapemig e por Janayna Bhering, gerente de novos negócios e parcerias da Fundep. Contou também com três especialistas em saúde e bem-estar, a terapeuta Jaqueline Saraiva, da Intento; Gustavo Souza, da Holos; e o dr. José Augusto, diretor da Unimed/BH. Também é auspicioso constatar que os seguintes pontos, considerados como centrais pelos diferentes participantes para as mudanças e inovações necessárias, foram aceitos com unanimidade:

Gravidade da crise econômica, política, social e ambiental que vivemos, prejudicada mais ainda pela pandemia do Covid 19;

Desigualdade social escancarada, a ser enfrentada com urgência, modificando-se a relação entre o K e o T (lucro exagerado x salário insuficiente e injusto).
Interdependência dos diferentes agentes: empresas, governo, Estado, cidadãos e comunidades;

A importância da pessoa humana no contexto do desenvolvimento e crescimento das empresas, o reconhecimento de suas competências e da necessidade do seu bem estar físico, mental e emocional no seio de uma empresa para que possam contribuir para o fortalecimento das mesmas e para a realização de seus objetivos maiores;

Importância fundamental da ciência e do avanço do conhecimento e do
papel da tecnologia no avanço da produção e do bem-estar social;

A importância de um desenvolvimento sustentável, que respeite e proteja a natureza e os recursos naturais, respeitando os 17 ODS, da ONU.

A necessidade de uma gestão ética, humana e justa, do desenvolvimento de competências socioemocionais, que supõem um diálogo franco, solidariedade e cooperação. Ou seja, uma ressignificação de valores, de condutas e da própria vida.

Realmente, um verdadeiro impacto! Resta agora agilizar as mudanças. O caminho apontado para a efetivação das transformações sugeridas será objeto da II parte deste artigo.

* Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail