Há exatos 50 anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizava um dos eventos mais importantes sobre meio ambiente em Estocolmo, capital da Suécia. A conferência discutia o futuro ecológico do planeta. Lá foi instituído o dia 5 de junho como o Dia Mundial do Meio Ambiente.
À época, também foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que dita, anualmente, via relatório estatístico, os pontos focais sobre o meio ambiente a serem seguidos internacionalmente.
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De lá pra cá, a necessidade de preservar e conservar o meio ambiente se tornou mais clara para governos, sociedade civil e empresas, porém os ataques à natureza parecem só ter crescido. O relatório apresentado em fevereiro de 2022 pontuou, entre outras agendas, o capítulo “Incêndios florestais devido à mudança climática: uma questão em chamas” (Wildfires Under Climate Change: A Burning Issue).
O documento discute o papel das mudanças climáticas e a influência humana nas mudanças dos regimes de incêndios florestais em todo o mundo, os impactos dessas queimadas no meio ambiente e na saúde humana e as medidas que podem ajudar a prevenir, responder e aumentar a resiliência aos incêndios florestais.
O tema é especialmente pertinente e urgente para Minas Gerais. O Estado abriga três biomas – Cerrado (57% do território); Mata Atlântica (41%); e Caatinga (2%) – em seus 586.522 quilômetros quadrados. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), desde 2017, em média, 11.740 hectares de cerrado são perdidos no Estado, sendo que em 2021 a área queimada ou desmatada chegou a 15.322 hectares, espaço 40,5% maior que a média dos últimos anos.
Em relação à Mata Atlântica no Brasil, o desmatamento do bioma cresceu 66% entre 2020 e 2021, segundo relatório feito pela ONG SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Minas Gerais ocupa o desonroso topo do ranking, com 9.209 hectares perdidos.
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Enquanto isso, o nosso Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) completa dez anos ainda controverso, com a pacificação de algumas discussões e uma intensa judicialização da aplicação de alguns dispositivos, com questionamentos judiciais e atividade normativa que geram insegurança jurídica. Ao mesmo tempo, a mentalidade ESG (responsabilidade socioambiental e governança) cresce no País e no mundo, impondo à iniciativa privada o seu quinhão de responsabilidade sobre os impactos já causados e a obrigação de desenvolver processos de produção mais seguros e limpos, oferecendo produtos e serviços mais “verdes”, responsáveis e que caibam no bolso.
Recuperação e preservação
Para o presidente da Save Cerrado – ONG que atua na recuperação e preservação de áreas críticas do Cerrado -, Paulo Bellonia, as grandes empresas já têm agido pressionadas pelos consumidores e investidores, mas a responsabilidade ambiental para as menores ainda é um tema complicado e caro.
Em abril de 2021, a organização lançou uma plataforma que permitirá o mapeamento das empresas e pessoas com relação ao conhecimento e à pegada ambiental. A plataforma mede o nível de engajamento de pessoas e empresas com a sustentabilidade e ainda propõe uma ação prática para a mitigação da pegada de carbono, ajudando a preservar o Cerrado no Norte de Minas. O projeto, em parceria com a startup mineira Autômato, contou com o apoio do DIÁRIO DO COMÉRCIO.
“Quando olhamos os dados sobre o desmatamento do Cerrado ficamos assustados porque o tema é urgente. As empresas, de certa forma, começaram a entender que precisam se conectar com essa agenda porque a sociedade vem cobrando. É um movimento que nós acreditávamos que aconteceria, mas ainda vem de uma forma superficial. Precisamos dar maior visibilidade à causa do Cerrado”, lamenta Bellonia.
A Save Cerrado faz parte do “Movimento Minas 2032 (MM2032) – pela transformação global”, liderado pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, em parceria com o Instituto Orior. O MM2032 propõe uma discussão sobre um modelo de produção duradouro e inclusivo, capaz de ser sustentável, e o estabelecimento de um padrão de consumo igualmente responsável, com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), promovidos pela ONU desde 2015.
Norte de Minas
Administrada pela Equinox Gold desde 2020, a Mineração Riacho dos Machados (MRDM) – com operação entre os municípios de Porteirinha e Riacho dos Machados, no Norte de Minas – faz parte de um conjunto com outras duas unidades na Bahia e uma no Maranhão.
O grupo mantém investimentos contínuos na implementação das melhores práticas internacionais para gerenciar e mitigar os impactos de sua atividade. Uma das principais iniciativas é a preservação de 7.478,35 hectares de florestas nativas, conforme inventário das operações no Brasil. O total de área preservada, atualmente, é 26% maior que a reserva legal, estipulada pela legislação florestal.
Por lei, a unidade mineira deveria ter como reserva legal 258,32 hectares preservados. Hoje a MRDM preserva 1.068,63 hectares, quatro vezes mais que o obrigatório. O processo de compensação ambiental da Equinox Gold abrange tanto a criação de áreas de conservação, com proteção dos ecossistemas naturais e documentação da riqueza biológica local, quanto a recuperação de regiões degradadas ao longo dos últimos anos, por diferentes agentes.
De acordo com o gerente regional de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Equinox Gold, Luiz Fregadolli, existe uma diretriz global, porém cada unidade tem autonomia para definir suas ações de compensação ambiental, com base nas particularidades de cada estado e da região em que está inserida.
“O foco é garantir impactos socioambientais positivos, com a preservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida para a população. Dessa forma, é possível desenvolvermos uma mineração responsável e sustentável, que proporcione o crescimento local, em equilíbrio com o meio ambiente”, enfatiza Fregadolli.
Consolidação do mercado de créditos de carbono é saída
Inúmeros estudos mostram que a floresta de pé é mais rentável que a floresta derrubada, mas ainda é difícil mudar uma cultura que diz que o ser humano é soberano sobre a natureza e que, no Brasil, aponta para a abundância – talvez a infinitude – dos recursos naturais.
A consolidação e regulação de um mercado de créditos de carbono no Brasil poderiam ajudar a manter as florestas de pé. Em maio, após 13 anos da edição da Política Nacional sobre Mudanças do Clima, foi publicado o Decreto 11.075/2022, que lança bases para o que pode vir a ser um mercado de carbono nacional.
O documento inicia as discussões sobre a precificação de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil. Na prática, estabelece nove setores como elegíveis para planos de redução de emissões de GEE, em linha com o que já previa a política anterior: geração e distribuição de energia elétrica; transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros; indústria de transformação e bens de consumo duráveis; indústria química fina e de base; indústria de papel e celulose; indústria de papel e celulose; mineração e serviços de saúde e agropecuária.
A presidente da Associação Mineira da Indústria Florestal (Amif), Adriana Maugeri, entende que o decreto é um começo, mas que o Brasil precisa acelerar a discussão e estabelecer uma nova lei a respeito, sob pena de não participar de um mercado onde pode ser protagonista.
Minas Gerais é líder mundial na produção e consumo de carvão vegetal, além de possuir a maior área de florestas plantadas no Brasil (2,3 milhões de hectares), sendo essas florestas a maior cultura agrícola do Estado.
A Amif representa as principais empresas do setor de florestas plantadas de Minas Gerais, incluindo as maiores siderúrgicas e ferroligas a carvão vegetal, bem como indústrias de celulose, papel, painéis, chapas, produtos sólidos de madeira, TIMOs (Timberland Investment Management Organization) e reflorestadoras.
“Ser responsável custa dinheiro, tempo e capital intelectual. Todo mundo quer um mundo mais limpo, mas quase todos terceirizam a responsabilidade. É preciso entender que a conservação corta custos e gera lucros imediatos. A regulação de um mercado de carbono pode ajudar a trazer aqueles que ainda estão atrasados nessa discussão, que ainda precisam que o governo obrigue. É certo que seria muito melhor para todos que o mercado voluntário sobressaísse, mas nesse estágio de construção da mentalidade ainda não é possível. Então o decreto é um bom começo, mas mesmo em termos de legislação, falta muito”, avalia Adriana Maugeri.
Segundo o CEO da WayCarbon, Felipe Bittencourt, a iniciativa privada tem um papel fundamental na condução das políticas de combate às mudanças do clima, e o novo decreto, apesar das suas limitações, pode ajudar na construção de um futuro mais responsável.
Sediada em Belo Horizonte, a WayCarbon presta consultoria no desenvolvimento de soluções de tecnologia e inovação voltadas para a sustentabilidade, gestão de ativos ambientais e no desenvolvimento de estratégias visando a ecoeficiência e a economia de baixo carbono.
“O mérito desse decreto é criar condições para o mercado de carbono no Brasil. Estamos atrasados, 65 países já têm essa política em lei. O documento traz transparência e não impõe metas, mas chama o mercado para que os setores apresentem para o governo suas trajetórias de descarbonização. O decreto faz o setor privado se movimentar”, comemora Pereira.