Ferrovias na estrada do desenvolvimento

26 de fevereiro de 2019 às 0h01

Cesar Vanucci*

“O trem é um meio de diminuir o mundo”. (Ruskim)
 
Com tanta gente nova alçada às grimpas do poder, dispondo de crédito de confiança para decisões administrativas e técnicas significantes, outorgado pela ardente esperança das ruas em dias mais promissores, ponho-me a sonhar com a possibilidade de que alguém influente, entre os recém-chegados, resolva desfraldar, num dado momento, uma bandeira portentosa nos caminhos da retomada do desenvolvimento. Falo da necessária e urgente expansão dos circuitos ferroviários e de navegação fluvial e costeira com vistas ao transporte de gente e cargas. Programas arrojados que possam vir a ser concebidos e executados nessas áreas representarão, inquestionavelmente, extraordinário avanço nas empreitadas que o Brasil está obrigado a incrementar à larga na invasão do futuro, valendo-se de suas inigualáveis potencialidades e respondendo positivamente a notórias exigências sociais e econômicas.

A palpitante questão suscita lembranças. A gente pegava em Uberaba, no Triângulo, o trem da Mogiana e, 36 horas depois, estava em Pouso Alegre, no Sul de Minas. Antes da chegada, havia uma baldeação para tomar trem da Rede Mineira de Viação em Sapucaí, São Paulo. Passava também por Mogi Mirim, ainda no estado de São Paulo. Uberaba entra nestas reminiscências da infância como ponto de partida (com suas duas movimentadas estações ferroviárias) para as aventuras da vida. A partir dali, todos os dias, os caminhos férreos da Rede Mineira e da Mogiana despejavam pessoas e mercadorias em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, cidades do interior de Minas, Goiás e São Paulo. Traziam, também, como fica óbvio deduzir, gente e produtos de todos esses rincões. Os trilhos da Mogiana conectavam, em Araguari, com os trilhos da Estrada de Ferro Goiás.

Os registros da época dão conta também de que, com menor, igual ou maior intensidade, a movimentação ferroviária era fato alvissareiramente corriqueiro noutras bandas do Estado e do País. Ia-se de trem de Belo Horizonte ao Rio (que baita saudade do “Vera Cruz”!). Do Rio a São Paulo.

De São Paulo a Porto Alegre. De Porto Alegre a Curitiba. E assim por diante. O Brasil tinha-se na conta de país razoavelmente servido por ferrovias. Não eram tantas, provavelmente, quanto as necessidades exigiam. Mas – em volume infinitamente superior, por incrível que pareça, ao de hoje – davam, por assim dizer, pro gasto…

Aos 14 anos de idade fui premiado com uma viagem a São Paulo e ao Rio. De trem. Usei trem da Rede Mineira de Viação em várias viagens, na adolescência, a Belo Horizonte.

De outra parte, tendo Uberaba ainda como referência, a quarenta quilômetros do centro da cidade, no Rio Grande, fronteira líquida com o território paulista, barcaças cuidavam do transporte de passageiros e artigos comerciais pela zona ribeirinha. Era o que também acontecia, em maior escala, nas vias fluviais de outras regiões, com destaque aqui pros nossos lados para o rio São Francisco.

E não é que, de repente, sem mais quê nem pra quê, em imperdoável “invenção de moda”, tudo isso se desfez, igualzinho fumaça de locomotiva tocada a lenha! Virou retrato esmaecido na parede descascada do tempo.

Atendendo a imperativos que a história prova não terem sido corretamente avaliados, o Brasil optou desastradamente pela via única de transporte na conquista do progresso. O sistema rodoviário ficou com a primazia exclusiva e absoluta nos investimentos. Nenhum avanço expressivo ocorreu nos setores ferroviário e de navegação fluvial. E o que é pior: de modo insensato, com frenesi iconoclasta, partiu-se para o total desmantelamento do que existia de regular para bom na área ferroviária. A palavra de ordem dada naquele momento infeliz foi essa: ferrovia já era. Ferrovia já era.

Alguém perpetrou essa imbecilidade e ela virou moda, num certo momento da vida brasileira. Teve assim início a insana onda da desativação de estações e da retirada de trilhos e dormentes que, segundo fontes bem informadas, andou enricando muito espertalhão. Algumas gares viraram adiante centros de atividades culturais. Menos mal. O modismo de encarar a ferrovia como instrumento de ligação anacrônico, coisa da era jurássica, foi absorvido por detentores do poder. E, desafortunadamente, sem grandes contestações e questionamentos por parte dos diferentes segmentos da comunidade.

É oportuno lembrar, a esta altura, que deparamo-nos muito com coisas assim, deploravelmente, por aqui. Um fascínio irresponsável por teses novidadeiras e de eficácia duvidosa, costuma se apoderar da cuca dos detentores do poder de decidir. Os exemplos são ululantes. Podem ser catados em todos os setores.

Tem mais papo sobre ferrovia pela frente.

  • Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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