José Eloy dos Santos Cardoso *
Nas manchetes dos principais jornais brasileiros e até do exterior de segunda-feira (4), as principais foram as que noticiaram a proposta de emenda constitucional, a PEC, que está propondo a extinção de cerca de 1.250 municípios que não contam nem com 5.000 habitantes e, o que é pior, em termos de ajustes fiscais, não conseguem arrecadar nem 10% de suas despesas obrigatórias, figurando entre elas os pagamentos de salários a prefeitos e vereadores e de alguns funcionários administrativos municipais.
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A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em recente levantamento divulgado, apurou que das 5.337 cidades brasileiras, 1.856 não se sustentam. A receita de impostos e taxas não paga nem o funcionamento da Câmara Municipal e dos prefeitos. Os municípios estão em estado de alerta em relação à gestão fiscal, já que 73,9% dos municípios analisados tem gestão quase impossível. O governo federal quer reduzir o número de municípios pequenos sem autonomias financeiras existentes. Numa das medidas previstas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, entregue no Senado, o Ministério da Economia apresenta uma regra que prevê fusões: cidades com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total serão incorporadas pelos municípios vizinhos.
Minas Gerais e Rio Grande do Sul são os estados com a maior quantidade de pequenas cidades no País: 231 cada. São Paulo vem na sequência, com 143 municípios com menos de 5.000 habitantes. Essa emenda constitucional é complexa porque envolve interesses políticos votados em tais municípios que só representam enormes despesas para os estados e a União. O problema é que essas medidas propostas pela PEC deverão ser postas em ação a partir de 2026. Mesmo que o ministro da Economia Paulo Guedes diga que essas proposições são importantes porque a equipe econômica estima que em 15 anos deverão ser repassados R$ 400 bilhões a estados e municípios, os interesses dos políticos sempre apontam que o principal são eles próprios no lugar de ver que o benefício deve ser geral, e não individualizados e distribuídos pelos “cartórios” familiares existentes desde os tempos do coronelismo brasileiro.
Na realidade, Minas Gerais não deveria ter mais de 200 municípios que não se sustentam e servem só para empregar parentes e amigos. O que nos assusta nesse teatro real é que os municípios muito pequenos estão de “pratos e pires” nas mãos, pedindo socorro, porque seus habitantes, muitos dos quais doentes e necessitados de assistência médica e hospitalar, não contam em grande número de casos nem com um médico disponível. As farras dos chamados “aspones” têm que acabar porque os prefeitos e vereadores, apesar de não terem muitas condições de trabalho, vivem dos impostos dos pagadores de impostos e taxas.
É claro que a Associação de Prefeitos faz críticas à proposta. O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, afirmou que o governo se equivoca ao afirmar que os recursos repassados às cidades como parte da arrecadação de Imposto de Renda e IPI, não são receitas próprias. As transferências obrigatórias constitucionais não são arrecadação própria como afirma e, dificilmente, mesmo com os impostos de renda e IPI desses municípios, só alguns pouquíssimos possuem um montante razoável, a não ser que ali se localizem grandes indústrias, por exemplo, fazendo desses municípios simples cidades-dormitório. Fica muito claro que essa PEC dificilmente passará no Congresso porque os interesses políticos individuais, nesse caso, são muito maiores do que os interesses da Nação, principalmente num ano eleitoral. O lema “O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” fica só na garganta do presidente Jair Bolsonaro.
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O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou que todas as 1.253 cidades podem ser atingidas pela nova regra. Muitos municípios foram criados gerando novas despesas e não atendem ao cidadão na ponta. Paulo Guedes, ministro da Economia, disse que a ideia de reestruturar pequenos municípios surgiu justamente depois de conversas com parlamentares que conhecem suas cidades e regiões onde se encontram. É claro que um acordo político precisa e irá ser fortemente debatido. Aliás, o Congresso Nacional existe justamente para isso.
A PEC é o Plano Mais Brasil. Nela encontramos uma PEC emergencial com medidas que incluem as proibições de promoções (com algumas exceções), mecanismos de suspensão de criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários, de criação de cargos, suspensão de benefícios como repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador para o BNDES, etc. Além disso, está sendo proposto um novo pacto federativo e uma nova divisão dos recursos arrecadados entre a União, Estados e Municípios. Entre outras medidas está sendo proposta uma alteração na distribuição dos recursos do pré-sal, que terá outra distribuição entre estados e municípios. Além disso, está sendo proposto o uso de recursos parados nos fundos para pagamento da dívida pública. De acordo com o governo, há quase R$ 220 bilhões encostados em 281 fundos, enquanto o Brasil está no vermelho.
* Professor titular de macroeconomia da PUC-Minas e jornalista