O ano do perdão

27 de dezembro de 2019 às 0h01

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JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA*

Nos últimos anos, a radicalização dos discursos no contexto da polarização política do Brasil criou um clima de rancor até então pouco comum à nossa população, historicamente identificada pelo pluralismo e tolerância. Infelizmente, as discussões partidário-ideológica têm separado amigos, parentes e criado novas inimizades. Vale refletir sobre a oportunidade de reverter esse clima de animosidade e converter 2020 no Ano do Perdão.

Tal atitude seria muito positiva para a sociedade e para a própria política, considerando que na democracia não se tem inimigos políticos, mas adversários, todos convergindo para a defesa e prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos individuais e coletivos, às leis, às minorias e à ética como pressuposto civilizatório. Além disso, perdoar é fundamental para a saúde mental e faz muito bem ao coração, segundo trabalho da psicanalista Suzana Avezum, que estudou 130 pessoas, entre dezembro de 2016 e dezembro de 2018. A pesquisa foi apresentada no 40º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), em junho último.

De acordo com a inédita análise, o grupo de pessoas que já havia sofrido Infarto Agudo do Miocárdio apresentou mais tendência a não perdoar as mágoas sofridas durante a vida. A profissional salienta que, em seu consultório, quando pode trabalhar a mágoa e a pessoa consegue perdoar, o sentimento de alívio é sensivelmente observado. Assim, vários sintomas são resolvidos. A hipótese é que as pessoas utilizam frases como ‘dói no coração’ e o inconsciente vai tratar de modo literal essa descrição. Possivelmente, isso pode provocar alterações físicas no músculo cardíaco.

O estudo mostrou, segundo a especialista, a importância da prevenção, com o desenvolvimento de programas de treinamento para o perdão, inclusive por meio das religiões. Projetando socialmente o resultado do estudo, poderia ocorrer uma redução na incidência de infarto. É importante ressaltar que ainda não existe evidência científica comprovada, mas os resultados do trabalho são muito promissores. Afinal, segundo a pesquisadora, as mágoas e ressentimentos são geradoras de estresse, que é um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. A manutenção da mágoa mantém a tensão, e o organismo fica exposto a essas respostas fisiológicas. O perdão propicia o relaxamento das defesas do organismo, cura da mágoa e do corpo, conclui a psicanalista.

De fato, a ansiedade, a depressão, os problemas não solucionados e o estresse afetam a saúde cardiovascular. Assim, uma boa promessa a ser feita e cumprida no ano novo é perdoar as pessoas com as quais ocorreram desentendimentos, brigas e inimizades. Tal atitude fará muito bem ao coração e, claro, às famílias, à sociedade, à democracia e ao Brasil!

*Médico cardiologista e presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)

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