O desafio ao quarto poder

8 de maio de 2020 às 0h13

img
Crédito: REUTERS/Ueslei Marcelino

Aristoteles Atheniense*

Sou de uma geração em que ser educado não importava numa qualidade e, sim, num predicado de todo aquele que buscasse um espaço na sociedade. Não se concebia que alguém pudesse desfrutar do respeito alheio, nem ocupar alguma posição de relevo, caso não trouxesse consigo um rasgo de civilidade que o credenciasse a ser convocado ao exercício de uma tarefa, fosse de ordem pública ou privada.

E ninguém se atreveria a pleitear uma colocação de nomeada, caso não se sentisse habilitado a exercê-la polidamente.

No início desta semana, o presidente Jair Bolsonaro, num arroubo de selvageria, questionado por repórteres sobre as recentes mudanças operadas na Polícia Federal, reafirmou o seu desarranjo mental ao dirigir aos seus interlocutores as mais escabrosas referências, como já fizera em outras oportunidades.

No seu desacato, qualificou o jornal “Folha de S. Paulo” de “patife” e “mentiroso” pela versão divulgada por uma “imprensa canalha”, além de enfatizar que “canalha é elogio para a Folha de SP”.

Indagado quanto a um eventual pedido de mudança na Superintendência da PF no Rio, Bolsonaro, em seu arrebatamento colérico, respondeu a uma jornalista: “Cala a boca, não te perguntei nada”. Como a profissional reiterasse a sua inquirição, foi novamente repelida aos berros pelo mandatário: “Cala a boca, cala a boca”.

No final da tarde, ao retornar ao Palácio da Alvorada, após ter ciência da repercussão negativa de sua intimidação, o capitão buscou indulgência esfarrapada para a sua desfaçatez, acrescentando que não apoiava a agressão praticada contra a imprensa no domingo (3/5), por não ser responsável pelo comportamento de seus apoiadores: “O Rio é o meu estado”.

Sabedor de que não poderia obstruir os repórteres na busca de fatos de interesse público, Bolsonaro impôs-lhes o silêncio compulsório, como se lhe fosse possível cercear a atividade que cumpriam.

Com a finalidade de exaltar a sua prepotência, empunhou uma folha do jornal questionando, numa demonstração, a mais, do despreparo para o desempenho ao cargo que ocupa.

A presença do militar reformado no evento de domingo foi um aceno para os seus asseclas, a quem renovou a mensagem de ser ele – e somente ele Jair Bolsonaro – quem manda no País, estando legitimado a fazer o que bem entender.

O ato cometido pelo mandatário, além de configurar crime de responsabilidade, afronta o direito fundamental previsto na Constituição Federal, ensejando punição de parte das autoridades (art. 85, III).

O papel da imprensa é fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Alguns autores a encaram como um quarto poder, devido ao fato de que, no momento em que veiculam informações, essas desempenham uma função essencial para exercer uma capacidade crítica sobre os outros poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Mesmo não a olhando como um quarto poder constituído é certo que a imprensa é um poder de controle externo sobre os demais poderes.

A Constituição Federal de 1988 garante a manifestação do pensamento. A liberdade de expressão é um dos mais importantes e valiosos direitos fundamentais. Segundo o art. 5º, inciso IV, de nossa Carta Magna: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

É importante salientarmos que esse direito fundamental abrange não só o direito de se exprimir, mas, também, o direito de se calar e de não se informar.

*Advogado, Conselheiro Nato da OAB e Diretor do IAB

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail