Política monetária e retomada do crescimento

12 de maio de 2020 às 0h12

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Crédito: Adriano Machado/Reuters

Cézar Manoel de Medeiros*

O ex-presidente Lula propõe que o governo atual injete dinheiro novo na economia por meio de emissão de moeda: “A gente tem que colocar a máquina para rodar dinheiro. Você não vai gerar inflação. Você acha que o Roosevelt estava preocupado com o orçamento quando fez o New Deal?, citou, lembrando o Plano dos EUA para sair da crise de 1929”.

A ex-presidente Dilma Roussef diz “que é chegada a hora de uma reflexão drástica sobre o papel do Estado e da saúde pública na região, dizendo que a crise do coronavírus abre oportunidade para discutir uma nova arquitetura financeira e econômica que não seja neoliberal e que permita reduzir a desigualdade”.

As orientações dos ex-presidentes Lula e Dilma são completamente corretas.
A teoria quantitativa da moeda em sua mais simples apresentação: M (quantidade da moeda em circulação) vezes a velocidade de circulação da moeda (V) é igual ao nível de preços multiplicado pela produção ou renda disponível (YD). Ou seja: MV = PY.

É praticamente consenso que o Banco Central pode emitir moeda, comprar títulos públicos e privados e monetizar a economia sem impacto inflacionário. O que é da maior importância, todavia, é a seletividade da dotação de crédito e o papel da iniciativa dos bancos públicos (BNDES, BB, CEF) no processo de redução da capacidade ociosa da maioria dos setores, no incentivo à retomada de investimentos e no apoio às micro e pequenas empresas.

Tendo em conta que as restrições para uso intensivo de política fiscal através de aumentos de gastos governamentais resultarão em significativa elevação da dívida pública, cabe uma política monetária seletiva à canalização de recursos visando reduzir a capacidade ociosa de setores prioritários intensivos em mão de obra; viabilizar investimentos, particularmente em infraestrutura; garantir renda das famílias de menor poder aquisitivo; linhas de crédito de apoio às micro e pequenas empresas e geração de emprego.

Estas proposições estão, de certa forma, na contramão do Ministério da Economia e do Banco Central que vêm adotando modesta política fiscal e expansão monetária que favorecem os bancos, inclusive, para aplicações livres sem quaisquer seletividades no que diz respeito aos objetivos e públicos alvos acima mencionados.

Segundo a argumentação de economistas neoliberais considerados “novos-clássicos”, que comandam o Ministério da Economia e do Planejamento no Brasil, a moeda é neutra e exógena, as expectativas são, ou devem ser racionais, e as informações são relativamente simétricas. Logo, qualquer aumento da oferta de moeda terá fortes impactos no nível de preços. Esta corrente considera que o Banco Central tem, como tarefas fundamentais de política monetária: construir e controlar expectativas na direção das metas previamente fixadas para os níveis de inflação e garantir solidez do sistema financeiro.

Em outras palavras: o Bacen, através da fixação das taxas de juros básicas (Selic, no caso do Brasil) e medidas macroprudenciais (fixação de depósitos compulsórios, requisitos de capitais por instituições financeiras, taxas de câmbio, etc.) tem plenas condições para minimizar incertezas e induzir o comportamento dos agentes econômicos na fixação de seus preços de modo a garantir as metas de inflação.

Sob este enfoque não cabe ao Bacen qualquer atribuição visando estimular a geração de emprego e de renda.

Em outras palavras: na medida em que eleva, e sinaliza que poderá adotar novos aumentos das taxas de juros reais, o Banco Central espera obter como resultados:

– que as empresas entendam que a elevação exagerada de seus preços e de margens de lucros serão punidos com a elevação de juros e de seus custos financeiros, com a redução da demanda, com respectivo aumento da capacidade ociosa e com diminuição de suas margens de lucros;

– que os trabalhadores entendam que reivindicações salariais superiores aos aumentos da produtividade da mão de obra serão punidos com elevação do nível de desemprego resultantes da diminuição das atividades produtivas e geração de capacidade ociosa empresarial consequentes da própria elevação de juros reais;

– que o governo entenda para a necessidade de evitar gastos superiores às receitas para não aumentar a dívida pública, a qual será penalizada com maiores encargos financeiros em prejuízo de investimentos governamentais.

É importante chamar a atenção que as elevações de juros que tem sido utilizadas como instrumento para controle da inflação, podem estar contribuindo para gerar aumentos dos níveis de preços devido a uma economia oligopolizada como a brasileira, onde as empresas são oligopólicas ou monopólicas, por conseguinte, são capazes de garantir elevadas margens de lucros.

Além disso, o regime de metas vem gerando efeitos colaterais negativos sobre a estrutura da distribuição da riqueza e da renda através do rentismo: transferência de recursos da sociedade como um todo para famílias de maior renda (classe A, B e parcela C), das empresas lucrativas e das instituições financeiras, através de suas aplicações em títulos de renda fixa (públicos e privados) baseadas na taxa Selic.

Assim, é necessário chamar a atenção para efeitos negativos que altas taxas reais de juros promovem a diminuição do PIB potencial na medida em que desestimulam investimentos na modernização, na diversificação e na expansão da estrutura produtiva; em infraestrutura; em ciência e tecnologia; em educação; em saúde; em programas de transferência de renda como o Bolsa Família, o Luz para Todos, e o BPC (Benefício de Prestação Continuada); o Minha casa, minha vida; o Fies; o Prouni, etc.

Em suma, é possível a retomada do crescimento no curto e no médio prazos, em um contexto de grave crise fiscal no Brasil, depende da mudança da abordagem de política monetária para reativar a demanda agregada.

No que tange ao papel dos bancos públicos vale ressaltar que, na medida em que o BNDES, o BB, a CEF, o BNB e o Basa praticarem prazos de amortizações, juros e spreads adequados, estarão induzindo as demais instituições bancárias a seguirem o mesmo caminho para não perderem participações no mercado financeiro.

Neste contexto, cabe lembrar o uso seletivo da antiga conta de movimento experimentada pelo Banco do Brasil quando proporcionou a implementação de programas estratégicos capazes de elevar a produção, principalmente do setor agropecuário sem consequências inflacionárias. Mas, ao mesmo tempo, é necessário impedir o uso da nova conta de movimento para atender demandas políticas sem contrapartida produtiva.

*Economista – Doutor pelo IE-UFRJ

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