Reformar ou transformar o Brasil?

11 de janeiro de 2020 às 0h01

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Crédito: Pxhere

Tilden Santiago *

Neste primeiro artigo de 2020, desejo aos leitores do DC um ano de luta com a paz abraçando a justiça. No Natal nasceu o Menino Yeshua! Ele continua nascendo nos bercinhos pobres, nas manjedouras das favelas das periferias do Brasil. Jesus se identificou com os pobres desde o início de sua vida. 28 de dezembro foi o dia dos Santos Inocentes – assassinados por Herodes e seus soldados. Inocentes continuam a morrer nos becos e vielas das favelas por balas perdidas e outras nem tanto. Essa história não terá fim enquanto o dinheiro, as armas e o poder continuarem unificados e articulados nas mãos de poucos.

1) Jenifer Gomes (11), morta em favela na zona norte do Rio de Janeiro: Morava em barraco com 15 irmãos e a mãe. Ironia: vivia na Vila “Nova Jerusalém”.

2) Kauan Peixoto (12), baleado na Baixada Fluminense. Dois tiros nas costas e no rosto e não resistiu. Achava bonita a farda dos policiais militares. Sonhava ser um deles. Sua mãe Luciana criou uma ONG com cursos para tirar crianças e adolescentes da rua.

3) Kauã Vitor Nunes Rosário (11), vítima de tiro de fuzil: Seis dias na UTI, antes de morrer. Gostava de matemática de jogar bola e lutar Jiu-jitsu. Outra ironia: morava na favela Vila “Aliança”, em Bangu. Seu sonho era a bateria na Igreja Evangélica. Simone, sua mãe, acredita em outro tipo de justiça: “A Justiça do Brasil é falha, mas a de Deus não é”.

4) Kauê dos Santos (12), baleado ao voltar para casa. Vendia balas na rua para pagar as chuteiras e a camisa. Sonhava tirar a mãe Nádia do morro (Complexo do Chapadão), onde morava em um só cômodo, sem portas nem janelas com os sete irmãos. Após vender as balas, deu de cara com policiais que desciam a favela atirando. Um amigo ameaçado carregou o seu corpo até o “caveirão”. Está quieto até hoje – e as famílias de ambos também.

5) Ágatha Félix (8), voltava de passeio numa Kombi: Depois mudou para jardineira. Foi baleada nas costas, dentro da Kombi, no Complexo do Alemão. Balet, inglês, xadrez, matemática, massinha, tinta guache e lápis de cor.! “Garota inteligente, estudiosa, dançarina de futuro, modelo mirim – desabafa orgulhoso o avô, Airton Félix aos prantos. Herdou de Vanessa Sales, a mãe, o sorriso largo e os cachos definidos: “Suas conversas eram sempre olho no olho e não tinha malícia”. Ágatha hoje é conhecida no Brasil inteiro e em países que se preocupam com a América Latina e suas crianças.

6) Kethelen Gomes (5), atingida no caminho da escola na perna. No mesmo dia, a Polícia Civil prendeu Thiago Porto, que fazia parte de uma milícia da região. Queria ser massagista! Para os priminhos continua a ser a Formiguinha pelo corpo miúdo.

A manchete de primeira página da Folha de S. Paulo em sua última edição do ano revela a sabedoria,  a sensibilidade social, política, humana e espiritual de seus editores. (Coisa que Bolsonaro não consegue captar). Fotos de crianças de 5 a 8 anos: “saiba quem são as seis crianças mortas pela violência no Rio em 2019”. Olho da manchete: “Maioria era negra, vivia em comunidade e foi baleada na presença da polícia; investigações não foram concluídas”. E nunca serão…

Tiro o chapéu para os editores da Folha, como jornalista, professor de Comunicação Social e como leitor assinante desafiando o presidente Bolsonaro.

Reportagens como essa, que ouso resumir e comentar em meu primeiro artigo de 2020, nos levam a uma questão: como mudar o Brasil? Com uma maquiagem para um capitalismo mais brando ou com uma “transformação” radical, nas raízes de nossas estruturas econômicas, sociais, políticas, culturais e espirituais, que acabem com os problemas, com os crimes e tragédias como estas aqui lembradas?

É a clássica questão – reformar ou revolucionar – que deveria atormentar os políticos de todas as ideologias. Políticos e pensadores assim, até que encontramos individualmente por aí. O problema são os partidos, verdadeiros exércitos desta guerra sofisticada que é a luta social e política. Esse escriba vai por aí, como um itinerante anarquista, um novo Diógenes com a lanterna na mão, procurando um partido que ajude o povo brasileiro a “transformar suas raízes históricas”.

*Jornalista, embaixador e sacerdote anglicano

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