Ascensão do dólar reflete incertezas e fuga de capital

20 de novembro de 2019 às 0h19

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Dólar - Crédito: Divulgação

Um cenário de incertezas políticas e econômicas no Brasil e na América Latina, tensão entre Estados Unidos e China, fuga de capital estrangeiro do País. Esses foram alguns dos motivos, segundo especialistas consultados pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, para que o dólar subisse tanto na última segunda-feira (18) a ponto de chegar a R$ 4,2061 na venda, recorde histórico nominal.

O maior valor da moeda norte-americana, até então, havia sido registrado em 13 de setembro de 2018, quando o preço foi de R$ 4,196. Ontem, o dólar caiu 0,17% e registrou R$ 4,1988 na venda.

“Estamos em um ambiente político turbulento. Há uma incerteza maior em relação a como o governo vai conseguir encaminhar as reformas. O mercado vê essa turbulência como um risco aumentado e isso tem reflexo no dólar”, avalia o economista e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Mauro Rochlin.

Além disso, ele também destaca que o Brasil não tem se mostrado um destino importante em termos de investimentos estrangeiros. “Havia bastante expectativa em relação ao leilão do pré-sal, mas ela se frustrou com a ausência das grandes petroleiras internacionais”, diz.

Ainda acerca das motivações internas para a alta do dólar, o economista e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Felipe Leroy ressalta também a instabilidade jurídica, além da política e econômica, que contribui para que os investidores estrangeiros abram mão de estar no País.

“Tem também o fato de que o fim de ano, historicamente, demanda um pouco mais de dólar em relação ao turismo e a empresas que enviam mais remessas para o exterior, por exemplo. Sai mais dólar do que entra”, completa Vanei Nagem, responsável pela mesa de câmbio da Terra Investimentos.

Ambiente externo – Mas não é só a situação brasileira que contribuiu para essa alta histórica da moeda norte-americana. Há todo um quadro internacional que também teve um peso importante nessa história.

Primeiramente, conforme destaca o estrategista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus, não só o Brasil, mas a América Latina vive um momento de incertezas. Ele lembra as manifestações no Chile e na Bolívia, preocupações com o novo governo da Argentina, entre outros, “o que acaba ocasionando uma fuga de capital da América Latina”, afirma.

“Há também a tensão comercial entre os Estados Unidos e a China, o que leva à possibilidade de haver maior fechamento comercial por parte dos países”, ressalta Mauro Rochlin.

Oportunidade – Mas, afinal de contas, esse cenário é bom ou ruim para o Brasil e para Minas Gerais? Mauro Rochlin lembra que os exportadores, por exemplo, “adoram o dólar caro”. Além disso, a indústria nacional, diz ele, também pode ser beneficiada, uma vez que os itens importados ficam mais caros e isso ajuda o produtor brasileiro na concorrência.

No entanto, essa situação tem dois lados. Vanei Nagem lembra que muitas indústrias podem perder competitividade caso não consigam renovação de tecnologia, por exemplo.

Em Minas Gerais, com um mercado forte em relação ao agronegócio e ao minério, que têm uma pauta exportadora, pode haver benefícios, ressalta Felipe Leroy. Porém, Jefferson Laatus também frisa que, para o agricultor, há um lado complicado, pois a maior parte dos maquinários utilizados é importada e custeada em dólar.

Inflação Outro risco com a alta do dólar é o da inflação. Como afirma Mauro Rochlin, produtos nacionais que usam matéria-prima estrangeira, por exemplo, costumam ficar bem mais caros, assim como os itens importados.

Felipe Leroy complementa que, como o Brasil não é autossuficiente na produção de derivados do petróleo, por exemplo, isso pode fazer com que haja um aumento da gasolina e do óleo diesel, o que afeta o setor de transportes.

Jefferson Laatus pontua que, diante desse cenário, o fato de o Banco Central estar diminuindo a taxa de juros pode acabar tendo uma reviravolta. “O alto custo do dólar pode influenciar a inflação e talvez seja necessário subir a taxa de juros para contê-la”, destaca.

Turismo – Em relação às viagens ao exterior, Vanei Nagem destaca que as pessoas que já marcaram seus passeios provavelmente não vão deixar de fazê-los, embora a tendência seja de que elas segurem um pouco mais os gastos.

Já quem deseja vir ao Brasil vai gostar bastante desse ambiente de dólar mais alto, como pondera Mauro Rochlin. “Esse cenário pode favorecer os setores de hotéis, restaurantes, de prestação de serviços para estrangeiros”, analisa ele.

Resultado de leilão contribuiu para alta

Brasília – O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou ontem que parte da explicação para o movimento recente de valorização do dólar frente ao real tem relação com o resultado do leilão de excedente da cessão onerosa.

“Como a entrada de recursos foi muito menor que a esperada, e muitos agentes do mercado se posicionaram para capturar esse dólar caindo com essa entrada, e a entrada não veio na mesma magnitude, você tem agora uma volta”, afirmou Campos Neto em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

“Isso é parte da explicação. Parte é global, parte é pré-pagamento. Tem muito exportador que também está segurando, importador que está segurando”, disse o presidente do BC. “São várias explicações”.

Na segunda-feira, o dólar fechou acima de R$ 4,20 pela primeira vez na história, com operadores citando preocupações com as negociações comerciais EUA-China e ainda o impacto da frustração com o leilão da cessão onerosa.

Realizado em 6 de novembro, o leilão arrecadou R$ 70 bilhões, valor recorde para um certame petrolífero, mas abaixo do que era esperado.

No Senado, Campos Neto reiterou que, para o Banco Central, o que importa é como o valor do câmbio afeta a inflação. Ele destacou que a desvalorização recente do real não influenciou as expectativas de inflação, em meio a um cenário de entendimento de melhora da economia, melhora de percepção de risco e redução dos juros de longo prazo.

Campos Neto também adiantou que o BC já tem pronto projeto para alterar a tributação do hedge cambial. Como já foi anunciado, a ideia da proposta é que os ganhos e perdas com hedge contratado por investidores de longo prazo em infraestrutura possam se compensar, de forma que a taxação só aconteça sobre um eventual ganho líquido.

O presidente do BC também voltou a afirmar que o valor dos compulsórios – recursos que as instituições financeiras são obrigadas a recolher junto à autoridade monetária- são bastante elevados e que a intenção do Banco Central é promover novas reduções à medida que a economia crescer e aumentar a demanda por crédito.

Fintechs – Campos Neto indicou que cerca de 60 fintechs poderão ser autorizadas no ano que vem, projeção feita a partir de conversas com advogados. Em apresentação exibida na CAE, Campos Neto apontou que 13 fintechs de crédito já foram autorizadas pelo BC. Vinte pedidos seguem na fila.

Segundo Campos Neto, a tendência é de que as fintechs atuem em nichos, colaborando para um processo de segmentação do mercado.

Em relação a iniciativas que vêm sendo gestadas no BC, ele afirmou que o projeto para assistência de liquidez para bancos com o uso de crédito privado como colateral terá como consequência a necessidade de um volume de compulsório muito mais baixo. Esse projeto vai começar a fazer efeito em um ano e meio a dois, disse Campos Neto.

Ele também estimou, para o segundo semestre de 2020, a implantação faseada do open banking no Brasil. De acordo com o presidente do BC, o pagamento instantâneo também já estará em vigor “no fim do ano que vem”. (Reuters)

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