Empresários negros foram mais afetados na Pandemia

Dados são de levantamento do Sebrae

25 de janeiro de 2022 às 0h30

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Sebrae aponta que 72% dos empreendedores negros consultados ainda estão com o faturamento abaixo do patamar pré-crise | Crédito: Pixabay

Pequenos negócios liderados por pessoas negras sentiram mais as quedas no faturamento diante da pandemia da Covid-19. A recuperação mais lenta dos empreendedores está registrada na 13ª Pesquisa de Impacto do Coronavírus no Pequenos Negócios, feita pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Fundação Getulio Vargas (FGV). 

De acordo com dados do levantamento, realizado no período de 25 de novembro e 1º de dezembro do ano passado, com 6.883 respondentes de todo o País, 72% dos empreendedores negros ainda têm faturamento inferior do que aqueles obtidos em meses tido como “normais” ou antes da pandemia

Enquanto isso, no caso de negócios de pessoas brancas, a percepção de faturamento abaixo é apontada por 66% dos respondentes. A pesquisa também mostra que 36% dos empreendedores brancos afirmam que estão funcionando da mesma forma que no período anterior à pandemia, sendo que para as pessoas negras esse número cai para 25%. 

Conforme aponta a analista do Sebrae Minas, Laurana Silva Viana, as razões históricas explicam o cenário trazido pela pesquisa, uma vez que, no Brasil, as pessoas negras têm mais dificuldades de encontrar oportunidades nos estudos, em empregos de qualidade, por exemplo.

Além disso, uma condição que fez a diferença para muitos negócios é o que também provoca esse movimento: empréstimos para atravessar a crise. “A dificuldade também vem muito da falta de acesso ao crédito formal, o que já é observado quando a gente fala em grupos minoritários, por causa de preconceitos. E crédito foi uma ferramenta essencial para que os negócios se mantivessem abertos”, explica a especialista. 

Nesse sentido, vale ressaltar que para empreendedores brancos (51%) e pretos (49%) a maior dificuldade esteve relacionada ao aumento dos custos de insumos, mercadorias, combustíveis, aluguéis ou energia. 

Futuro incerto

A proporção de empreendedores negros (42%) que afirmam ter muitas dificuldades para manter o negócio também é maior que no caso dos brancos (38%). O momento, em que a variante Ômicron avança, traz novos desafios para a vida em sociedade, a afro-empreendedora Elizabeth Ferreira, que está à frente do Beth Cerimonial, com presença principalmente em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ainda avalia que o cenário não está favorável. 

A empresa, do ramo de eventos sociais e casamentos, realizou, em fevereiro de 2020, um casamento e uma audição para casais. Logo após, a cerimonialista, que realizava de dois a três casamentos por mês, em média, sentiu de perto os impactos das medidas de isolamento social e teve as atividades completamente paralisadas. 

Até outubro daquele ano, o negócio não teve nenhum outro casamento. O primeiro casamento, após o período, só ocorreu por ter sido sediado em uma igreja e com capacidade reduzida. No total, foram quatro casamentos realizados durante todo o ano. 

Em 2021, o cenário foi um pouco melhor, mas, ainda assim, o cerimonial que conta com quatro pessoas fixas para o atendimento aos eventos e outras oito por demanda, só realizou dez casamentos. “São dois anos muito desafiadores. E muitas pessoas mudaram as datas dos casamentos e até se separaram. Eu investi em cursos de profissionalização e em lives para casais e sobre decoração para manter a presença nas redes sociais”, conta a cerimonialista. 

No entanto, Elizabeth lembra um ponto crucial: como os contratos de cerimoniais são parcelados até a chegada dos casamentos, com valores que giram em torno de R$ 1.800,00, o faturamento da empresa ficou prejudicado. Segundo ela, houve solicitação de reembolso e paralisação de pagamentos até que novas datas foram definidas. 

“A gente ainda não sabe como vai ser o ano, porque eu tenho contrato com noivas, mas ainda não temos definição de datas. Neste período de pandemia, o que entrava no caixa era para pagar as meninas que trabalham comigo. Mas o que segurou a renda da minha família foi o emprego do meu marido”, conta Elizabeth, que, ainda neste mês, iniciará a gestão de um espaço de eventos em Santa Luzia. 

Na contramão 

No entanto, como em toda crise, há aqueles que superam os números, o que também é explicado pela analista do Sebrae. “Quem conseguiu crescer estava em um determinado nicho de mercado e teve também a capacidade de adaptabilidade do negócio. As empresas tiveram que fechar as portas físicas e se adaptar às plataformas digitais, por exemplo. Tudo depende da capacidade de resposta rápida das empresas diante das mudanças que foram avassaladoras”, afirma Laurana Silva Viana, do Sebrae Minas. 

Exemplo disso é o da produtora audiovisual Octopus, do afro-empreendedor André Luiz de Carvalho. Focada na captação e edição de imagens para vídeos institucionais, de publicidade e documentários, a empresa trabalha desde 2019 com uma demanda considerável de vídeos institucionais, de aulas e para usos diversos em empresas.

“Com a pandemia, começamos a atender um cliente que trouxe a demanda de cursos físicos para o on-line. Outros clientes foram aparecendo trazendo essa mesma demanda”, conta André. O registro de uma queda de trabalhos ocorreu apenas entre março e junho de 2020. No entanto, após esse período, e quando considerado o ano de 2019, nos últimos dois anos a empresa cresceu 30%. 

A interrupção na produtora ocorreu só por parte dos documentários, já que esses exigem mais contato presencial. E, apesar de o número de produções mensais variar, o afro-empreendedor conta que produz, no mínimo, dez materiais a cada mês, sendo que os valores podem variar de acordo com o pedido. Captação de imagens de drone, por exemplo, custam em média de R$ 750,00, enquanto um vídeo institucional pode ser precificado entre R$ 6 mil e R$ 7 mil. 

Outro ponto relevante da empresa que conta com profissionais por demanda é que há a priorização da contratação de profissionais negros, já que André reconhece as dificuldades que a população negra enfrenta no dia a dia. 

Ainda em relação à pesquisa, a analista do Sebrae destaca que um ponto positivo é que há a demonstração de que os negócios liderados por pessoas negras (88%), em sua maioria, já contam com o PIX como forma de pagamento, o que mostra que essas pessoas estão antenadas e garantem mais agilidade nos pagamentos — no caso dos empreendedores brancos, o número é de 85%.

Carvalho conseguiu se adaptar às mudanças do mercado e manteve sua empresa em crescimento | Crédito: Wilsson Passabone – Divulgação

Nível de maturidade ainda é baixo no País

Estudo realizado pela KPMG indica que 73% das empresas brasileiras pesquisadas não contam com um nível adequado de maturidade com relação aos planos de continuidade de negócios. Desse total, 40% das organizações encontram-se no estágio 1, ou seja, não possuem sequer uma estratégia neste sentido.

De acordo com o estudo, outras 33% foram classificadas no estágio 2, em que este mecanismo até existe, mas não identifica e direciona todos os eventos que possam afetar as operações adequadamente. Apenas 27% das companhias participantes da pesquisa têm, de fato, um plano de continuidade de negócios estruturado, completo e abrangente, similar ao modelo esperado pelas boas práticas de mercado.

Apesar dos números relacionados ao nível de maturidade, 57% dos respondentes da pesquisa afirmaram ter consciência da importância de se estabelecer um plano de continuidade de negócios.

A pesquisa destacou ainda que a recuperação eficiente com o menor dano possível é o tema mais apontado pelos executivos entre os diversos benefícios trazidos pela implementação deste mecanismo. Por outro lado, segundo os dados reunidos pela KPMG, a maior barreira enfrentada pelas empresas é provocada pela ausência de cultura em gestão de riscos e crises e a falta de clareza em relação a potenciais benefícios destas práticas.

“É imprescindível manter em mente que todas as corporações estão expostas a diversos riscos — e o que diferencia as bem-sucedidas das demais é a maneira como agem quando uma crise é instalada. Empresas que buscam a longevidade devem identificar e tratar os riscos por meio de um plano de continuidade de negócios eficiente. E, para isso, é importante entender o nível de maturidade da companhia, os protocolos de recuperação existentes e quais pontos devem ser tratados com prioridade”, pontua o sócio-diretor de Gestão de Riscos da KPMG, Luís Navarro.

Estágio de maturidade

O relatório da KPMG avaliou e classificou o nível de maturidade dos planos de continuidade de negócios de 17 setores. As indústrias que mais se destacaram foram tecnologia da informação e serviços financeiros com 51% e 49% no estágio 3, respectivamente. No estágio dois, aparecem os segmentos de varejo (63%), energia, recursos naturais e saneamento (49%) e infraestrutura (44%).

Nas posições de estágio 1 de maturidade estão companhias de logística e distribuição (88%), agronegócio (75%), biotecnologia (75%), educação (69%), bens de consumo (67%), construção/imobiliário (62%), farmacêutica (60%), entretenimento, mídia e editorial (60%), transporte, viagens, turismo (60%), manufatura (51%), saúde (48%) e de outros ramos de atividade (42%).

 “Os resultados indicam que ainda há um longo caminho para que esta cultura seja implementada e naturalizada em todos os segmentos. Somente assim o patamar de maturidade desejado será atingido, alinhando a gestão de crises e de continuidade com a estratégia de negócios”, ressalta Navarro.

A primeira edição da “Pesquisa de maturidade dos planos de continuidade de negócios no Brasil” foi realizada entre maio e junho do ano passado por meio de uma plataforma web e contemplou 28 perguntas.

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