Calamidade pública e a Portaria MF 12/2012

9 de abril de 2020 às 0h14

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Crédito: REUTERS/Ueslei Marcelino

Paula Azevedo*

O cenário atual decorrente da pandemia causada pelo agente coronavírus movimenta, além dos governantes e da população, os aplicados do Direito que buscam, de forma incessante, recursos para combater ou aliviar os efeitos da crise.

A necessidade de um distanciamento social, ainda que de forma preventiva em determinadas localidades, gera uma sensação (por enquanto) de instabilidade econômica que, ao que tudo indica, será concretizada em breve e, por óbvio, atingirá a todos: trabalhadores, empresários e governantes.

O pior de tudo isso é a incerteza. Quando o afastamento acabará? Quando o empresário  terá condições de reabrir o seu negócio? Quando os trabalhadores possuirão novas oportunidades de emprego? Por enquanto, não existem respostas para tais perguntas, mas a única certeza é que os governantes precisam tomar medidas urgentes.

Os governantes possuem estratégias jurídico-constitucionais que, diante de tais situações, flexibilizam o controle ou o processo de tomada de decisão. Em Minas Gerais, por exemplo, o Decreto nº 47.891, de 20 de março de 2020, reconheceu a situação de calamidade pública e possibilitou a ocupação e o uso temporário de bens e serviços necessários ao enfrentamento da crise causada pelo Covid-19, nos termos do § 3° do art. 40 da Constituição do Estado. Nesses casos, é garantida a indenização justa e em dinheiro aos particulares, mas apenas após a cessação da situação de calamidade pública, dos danos e custos decorrentes.

Além disso, esse mesmo decreto foi remetido à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para que também fosse reconhecido o estado de calamidade pública no âmbito fiscal, suspendo os prazos e atingimento de metas, conforme art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – o que já aconteceu por intermédio da Resolução da Assembleia Legislativa de MG nº 5529, de 25 de março de 2020. E, vale registrar, que situação idêntica já aconteceu no Senado Federal que publicou o Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020, reconhecendo o estado de calamidade pública solicitado pelo presidente da República.

E o contribuinte? Também possuem em mãos tais estratégias que visam a sua reorganização, seja no âmbito empresarial ou no âmbito pessoal? O Ministério da Economia já publicou alguns atos normativos que permitem a suspensão de prazos nos processos administrativos de cobrança de dívida ativa, transações que podem ser realizadas pela plataforma “Regularize”, dentre outras.

Outros órgãos com atuação tributária também já regulamentaram reduções temporárias de alíquotas de impostos (Imposto de Importação – II e Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI), prorrogação do vencimento das prestações do Simples Nacional, etc. E, claro, a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, que prorrogou o pagamento do FGTS, dentre outras medidas que merecem destaque em outra ocasião.

Diante disso, muitos contribuintes indagam a possibilidade de prorrogação dos demais tributos federais. E, para tanto, mencionam a Portaria MF 12, de 20 de janeiro de 2012, expedida pelo então ministro da Fazenda, o Sr. Guido Mantega.

De acordo com o disposto nesse ato normativo, em seu art. 1º, “as datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente”.

E mais, o §1º desse mesmo artigo aduz que essa regra aplica-se ao mês da ocorrência do evento e ao mês subsequente. Isso significa que, estando em vigência, essa norma possibilita a prorrogação dos vencimentos dos tributos federais por 90 dias, no mínimo, para aqueles que residem nos domicílios pertencentes ao Estado que obteve reconhecido o estado de calamidade pública.

Já vimos que o estado de calamidade pública já foi reconhecido em Minas Gerais e diversos entes federativos, inclusive no âmbito da própria União. E, tendo em vista que a Portaria, acima descrita, permanece em vigência, ou seja, não foi revogada por atos posteriores, há que se reconhecer a sua aplicabilidade no atual cenário. Ainda que a Portaria exija a edição de ato que regulamente tal situação, não é razoável exigir que sua incidência fique adstrita a um regulamento da Receita Federal.

Até mesmo porque a situação é tão grave que o princípio da boa-fé do contribuinte permite o pagamento dos tributos em atraso, sem qualquer penalidade, de modo a flexibilizar a situação não apenas para o controle fiscal do Estado, mas também no que concerne as obrigações do contribuinte.

É interessante registrar que essa mesma Portaria de 2012 menciona, também, a possibilidade de suspensão da prática de atos processuais no âmbito da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, em seu art. 2º. Sobre este aspecto, a Receita Federal do Brasil já se manifestou e publicou a Portaria RFB nº 543, de 20 de março de 2020, que trata dos “prazos processuais”. No entanto, ainda não há pronunciamento atual sobre a prorrogação dos vencimentos dos tributos nos termos da Portaria de 2012. Sendo assim, se essa situação não for resolvida a tempo, a sua remessa para que haja a interferência do Poder Judiciário será inevitável.

*Professora da Faculdade Batista de Minas Gerais, advogada, doutoranda e mestre em direito pela UFMG

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