EDITORIAL | Ambição, o único limite

23 de setembro de 2020 às 0h15

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Crédito: Divulgação

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito para um primeiro mandato em 1994 no rastro da popularidade de Itamar Franco e do Plano Real, deveria, conforme as regras de sua eleição, permanecer no posto por cinco anos. Ficou oito depois de se encantar com o poder, pedir que esquecessem tudo que dissera e escrevera até então, e manobrar, com sucesso, para ver aprovada a possibilidade de reeleição para ocupantes de cargos executivos. Alguns anos antes, com manobras que essencialmente não foram diferentes, o presidente José Sarney conseguira esticar seu mandato em um ano.

Regras, para quem tem poder, são relativas, sobretudo quando inconvenientes. Tardiamente FHC, que em recentes declarações disse se arrepender de ter instituído o sistema de reeleição no País, se deu conta disso. Talvez por perceber, tantas são as evidências nessa direção, que a partir daquele momento a gestão pública no País entrou num processo de vertiginoso declínio, com a reeleição passando a ser a única coisa que realmente importa, num jogo explícito que muitas vezes começa a ser jogado antes mesmo de confirmada a primeira vitória do interessado, ainda que faça parte do ritual, evidentemente falso e mentiroso, portador apenas da ilusão da conveniência, a afirmação de que o candidato não buscara a reeleição.

Aconteceu agora, nas últimas eleições presidenciais e em casos anteriores teve até mesmo registro de documentos em cartório, reafirmando o compromisso do candidato, evidentemente rasgado depois da primeira vitória. O princípio da reeleição, entendido como necessário para que o gestor tenha tempo para executar seu programa e aos eleitores reservada a possibilidade de confirmar ou não a continuidade, até que faz sentido. O problema é que não se aplica aos maus costumes brasileiros, em que qualquer preço possa ser pago pela reeleição, do sacrifício da gestão à mais deslavada corrupção, sempre que existam votos a negociar, o que parece nunca ter sido problema para os candidatos.

Fácil, portanto, constatar que Fernando Henrique tenha motivos de sobra para seu tardio arrependimento e para sua penitência, na qualidade de fundador de um sistema político em que o menos importante parece ser, no sentido preciso, governar. Importa mais, e exclusivamente, ocupar a cadeira e ser dono da caneta que tem quase ilimitado poder de fazer agrados e comprar fragilíssimas lealdades, em nada importando que tudo o mais fique de lado.

O resto é pura consequência, um preço amargo que até agora os brasileiros estão aceitando pagar.

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