Exercer direito não se configura crime de ameaça

29 de outubro de 2020 às 0h10

img
Crédito: Freepik

Kênio de Souza Pereira*

Na realização das assembleias gerais nos condomínios percebe-se que muitas pessoas deixam de expressar seu pensamento ou sua intenção com o receio de vir a configurar um crime de ameaça ou outro ilícito. Ignoram que qualquer pessoa tem o direito de esclarecer que se o devedor não pagar a quota de condomínio será executado judicialmente e caso ele não cumpra a ordem judicial, o condomínio solicitará a penhora do imóvel e esse será leiloado para pagar a dívida. Da mesma forma, dizer para o vizinho que se ele insistir em fazer barulho de madrugada será multado e que chamará a polícia, tais afirmações não configuram nenhum ilícito ou ameaça. São simplesmente exercício regular de um direito, devendo ser visto como um ato normal comunicar a situação e sua consequência para o devedor ou o infrator.

Há indivíduo, talvez por ser altamente sensível e nunca ter sido contrariado, que se ofende com qualquer observação ou crítica sobre sua conduta que afronta o direito alheio. Percebemos nas reuniões condominiais que as pessoas, e até mesmo alguns profissionais da área, desconhecem o significado da palavra “ameaça”, pois a confundem com o exercício legal do Direito, que é consagrado pela Constituição da República.

O empregador, ao avisar ao empregado que o dispensará se continuar a ser relapso ou desinteressado, consiste num direito, devendo a comunicação ser bem recebida por dar condições da pessoa melhorar. O mesmo ocorre com o cliente que avisa que irá trocar de fornecedor, médico, advogado ou contador, pois ninguém é obrigado a ficar calado diante de uma insatisfação que tenha fundamento. Cabe a quem recebe o alerta, refletir, melhorar ou buscar outro serviço/contratante ou cliente.

O crime de ameaça, previsto na lei, ocorre somente quando o mal prometido é injusto e grave, sendo claro ser justo cobrar de quem deve ou multar quem afronta a convenção e o regimento interno. O Código Penal prevê, no art. 147, que configura crime de ameaça àquele que “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, a ponto de causar-lhe mal injusto e grave”.

Portanto, quando uma pessoa avisa que tomará uma medida mais rígida, como processar alguém em razão do não pagamento de uma dívida ou por alterar maliciosamente uma ata de assembleia, esse alerta não pode ser confundido com ameaça, muito menos ilícito penal.

Assim, qualquer condômino ou seu procurador/advogado, ao ver que o síndico e o secretário estão adulterando ou subtraindo da ata o que foi dito em assembleia, e, tendo esse solicitado que fosse registrado, tem o direito de alertá-los que essa atitude abusiva consiste em crime de falsidade ideológica previsto no art. 299 do Código Penal, e que o condomínio não assumirá os custos da defesa desse processo penal.

Portanto, há uma grande diferença entre “ameaçar” alguém e alertar que irá exercer legalmente o seu Direito. Cobrar de um devedor de maneira educada, inclusive no decorrer da assembleia que foi convocada para contratar um advogado para executar a dívida, consiste num regular exercício do direito nas reuniões condominiais.

Situação diversa, que consiste numa ameaça, é um condômino dizer que irá invadir o terraço do edifício e construir uma cobertura numa área comum, pois o ato de invadir é um ilícito penal, além de ser ilegal edificar, sem prévia autorização, numa área que pertence à coletividade.

O credor que possui cheque sem fundos não comete o crime de ameaça ao alertar o devedor que fará o protesto do título no cartório, a execução do cheque e até a penhora dos bens do devedor em juízo, pois isso é um direito. Porém, o credor não pode, por exemplo, tomar os bens à força para pagar a dívida, sem uma ordem judicial, pois este ato configura crime de exercício ilegal das próprias razões conforme art. 345 CP.

Portanto, é direito do credor ou da pessoa que foi afrontada avisar que tomará as medidas cabíveis para evitar seu prejuízo. Se o infrator não quer que o seu erro apareça, não deixe acontecer. Basta cumprir seu dever e a lei. 

*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG, Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal,Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis kenio@keniopereiraadvogados.com.br

Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail