Não esqueça o Afeganistão

25 de agosto de 2021 às 0h29

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Kabul, capital do Afeganistão | Crédito: Pexels

“O mundo esqueceu o Afeganistão”. Com essa fala, desembarca na Índia uma das afegãs que conseguiu sair do país depois da tomada pelo Talibã. Estamos todos em estado de choque. Vimos uma cena de pavor em que pessoas correm atrás de um avião para tentar escapar do regime religioso que é ainda mais duro com as mulheres. Até quando lembraremos disso?

A história se repete no Afeganistão com a nova tomada de Kabul, a capital do país. Este povo navega da esperança para o desespero.  Instabilidade que deixa traços irreparáveis. Os afegãos sempre viveram em uma situação econômica muito precária. As disputas político-religiosas impedem a construção do conceito de Estado que está sempre fragmentado.

Sabemos que o local é cobiçado por sua posição geopolítica de divisa do ocidente com o oriente. O que serviria de elo, funciona como espaço de disputa de passagem por petróleo, gás, poder e dominação religiosa. E o caos ajuda a desorientar a população que, desmobilizada, é mais frágil e cooptável. Para manter este cenário, a população precisa estar subordinada à miséria, à ignorância e à ditadura religiosa. 

Os bens mais valiosos foram negados a esta população: condições básicas de sobrevivência, como alimentação, saúde mental e física e moradia, além dos direitos humanos básicos, como a liberdade de culto e direito à educação. E quando falamos das mulheres, a situação é ainda pior já que elas só têm suas existências permitidas viabilizadas por um homem. Do registro de seu nascimento ao acesso a hospitais.  Os pilares que sustentam o Talibã são o desmonte do indivíduo e o controle em massa pela manipulação e pela força. Embora, agora, os novos líderes estejam apresentando uma nova roupagem: o Novo Talibã.

De acordo com a campanha de comunicação internacional do Talibã, o “Novo Talibã chegou!”. Não há lugar para o humor, mas para o ceticismo. É difícil acreditar que esses homens (e aqui é impossível acrescentar “e as mulheres”) tenham algum ideal que respeite o lugar do humano e, especialmente das mulheres na sociedade. Isso vai muito além de usar o véu ou a burca. Eles consideram as mulheres como seres inferiores. Seja novo ou velho Talibã, nele, as afegãs nunca tiveram e jamais terão direito a nada em termos de autodeterminação de seu destino. 

Se os talibãs dizem que o acesso das mulheres à educação será mantido, eles não especificam quais áreas serão reservadas para as estudantes. Se dizem que as mulheres poderão continuar a trabalhar, definem quais setores estarão abertos às profissionais.

Naturalmente, para exercer qualquer uma dessas atividades, elas terão que ser acompanhadas por um membro masculino de sua família. Então, o que há de novo? Não há novidade em nada disso. Via de regra, este é o padrão da segregação de gênero no Afeganistão. 

É claro que, além da retórica, o destino das mulheres afegãs mudará mais uma vez. O novo estado afegão do Talibã que está tomando forma será capaz de conduzir uma política unificada em todo o país? Haverá um pequeno desenvolvimento positivo para as mulheres em relação à Sharia Islâmica afegã? Também podemos esperar que muitas mulheres jovens ou viúvas terão que passar por casamentos forçados? Pode-se temer o pior para as mulheres, principalmente aquelas envolvidas na emancipação e na luta pelos direitos das afegãs. 

Penso naquelas mulheres que, nos últimos 20 anos, tiveram a chance de recuperar sua confiança para estudar e trabalhar. Algumas delas viúvas de guerras anteriores, outras lutaram contra as ideias preconcebidas dos líderes religiosos instalados e influentes em seu país e que conseguiram enviar suas filhas à escola encorajando uma geração a acreditar no futuro. Ousaram a sonhar. Decidiram viver. No direito à educação, no trabalho, no amor. O que dizer a elas sobre a esperança? Como fazê-las acreditar em si mesmas e no desenvolvimento de suas competências? Como manter suas esperanças se a história até hoje mostrou que há sempre uma derrocada por vir? 

Temo pela vida das afegãs. Como mulher, mãe e avó, fico desolada quanto à falta de oportunidades e a violência naturalizada e em série sofrida por gerações. Como cidadã, mantenho minha permanente indignação às formas de controle e violência contra qualquer ser humano, especialmente, as violações femininas.

Portanto, conclamo toda a comunidade mundial a um ato: não esqueçamos o Afeganistão! Sociedade, Estados e organizações precisam manter-se em defesa dos direitos do povo afegão. Eles são parte de nós.

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