Nos tempos do rádio

15 de setembro de 2020 às 0h13

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Crédito: Freepik

Cesar Vanucci*

“Surpreendi-me noveleiro depois de aposentado. Não perdia um só capítulo de “O direito de nascer”.” (Antônio Luiz da Costa, professor)

Em artigo recente afirmei, com convicção, que a hora da novela é sagrada pra um mundão de gente. Era assim também nos tempos do rádio. A televisão herdou, no capítulo das novelas, alguns macetes do rádio. Junto com outro tipo de herança: a absorção, pela telenovela, de talentosos autores, atores e diretores consagrados na radionovela.

A radionovela naqueles áureos tempos do rádio como o mais poderoso instrumento de difusão cultural do continente brasileiro, distinguia-se do radioteatro. Era de duração longa, apresentação diária. Assim que acabava uma história, o horário passava a ser ocupado por outra radiofonização.

A radionovela que deixava o ar e a que entrava merecia, na programação, insistentes e persuasivas chamadas. Já o radioteatro podia ser definido como uma novela de tamanho menor, transmitida esporadicamente. Tá na cara que esse modelo inspirou a televisão, quando criou, junto com a telenovela, a minissérie. Essa, também, novela de curta duração.

Aqui está intrigante relato sobre as emoções desenfreadas dos ouvintes nos bons tempos das novelas de rádio. Nélio Pinheiro era costumeiramente escalado para papéis de galã, diferentemente de Rodolfo Mayer, convocado sempre para vilão nos folhetins radiofonizados da Nacional. Dono de voz expressiva e envolvente, exercia no público um fascínio comparável ao que se percebe hoje na televisão, em relação ao desempenho de Tony Ramos, Antônio Fagundes, por aí.

Numa trama determinada, seu personagem “descendia” de uma família da Beira, em Portugal. Tomado de estupefação, Nélio recebeu um dia nos estúdios um grupo de cidadãos lusitanos, todos oriundos daquela região, radicados no Rio de Janeiro. Os entusiasmados visitantes, exibindo documentos, fotos, transmitindo depoimentos em viva voz procuraram, com vigoroso empenho, estabelecer com o ator um vínculo de parentesco próximo. Até passagens da “infância”, pródiga em “traquinagens” dos tempos em que “viveu” na Beira, foram “relembradas”. Deu trabalhão danado explicar que os personagens e fatos retratados na novela eram pura ficção. Não passava de mera coincidência toda e qualquer semelhança com nomes e lugares da vida real.

Noutro seriado, a mocinha do papel central, defendido com competência pela radioatriz Zezé Fonseca, comeu o pão que o diabo amassou por culpa das armações inimigas. Mas como diz o ditado, não há mal que sempre dure. Veio daí que no desfecho a jovem acabou recompensada por tanto sofrimento. Encontrou seu príncipe encantado, filho obviamente de seu principal algoz. A ele se uniu pelos laços indissolúveis do matrimônio, sendo feliz para sempre. Nas imediações do casamento de mentirinha, pipocou algo fora do enredo. Um mundão de ouvintes entendeu de participar, à sua maneira, da celebração. A heroína recebeu felicitações e presentes à pamparra. Enxovais, eletrodomésticos e outros utensílios para o lar. Além, está claro, de hospedagens em locais paradisíacos para desfrute da merecida lua de mel…

Como dá pra ver, o desconcertante entrelaçamento da ficção com a realidade no imaginário popular, traduzido em episódios jocosos, não é coisa de agora, destes tempos televisivos. A história do rádio de antanho, quando a radionovela e os programas de auditório abriam as portas da fama para artistas, igualzinho faz hoje a televisão, é pródiga em registros reveladores desse descompassado estado de espírito de alguns viventes.

Volto à radionovela no capítulo vindouro.

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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