O novo marco legal do saneamento

11 de julho de 2020 às 0h12

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Crédito: Divulgação

Augusto Lima da Silveira e Rodrigo Berté*

Prevista como uma necessidade básica para a sobrevivência humana com dignidade, a universalização do saneamento é ainda uma meta distante de ser alcançada. Diariamente, nos deparamos com cenas de completo abandono e descaso do poder público para com a sociedade.

A situação dramática de muitos municípios brasileiros é fruto de vários anos de gestão pública ineficiente que resultaram em falta de acesso à água, esgoto a céu aberto, sistemas de drenagem urbana ineficientes.

As consequências desse cenário ficam ainda mais evidentes ao longo da pandemia do novo coronavírus. Em algumas regiões mais vulneráveis, nem o princípio básico de prevenção, que é a higienização das mãos, pode ser aplicado em virtude da falta de acesso à água tratada.

Para compreendermos a extensão do descaso, precisamos nos ater inicialmente à abrangência do saneamento básico, anteriormente definido pela Lei 11.445/2007.

Oferecer saneamento básico a uma região envolve o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, limpeza urbana (com manejo dos resíduos sólidos) e a drenagem com o manejo das águas pluviais.

A mesma lei ainda menciona como princípio fundamental a universalização do acesso a esses serviços. Entretanto, mesmo após 13 anos da promulgação das diretrizes nacionais para o saneamento, ainda enfrentamos graves problemas estruturais para a implementação.

Estima-se, por exemplo, que 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e metade da população vive sem a coleta e o tratamento de esgoto. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada um real investido em saneamento básico, são economizados quatro reais em saúde pública.

Portanto, falar em saneamento e na sua respectiva efetividade é urgente para o cenário brasileiro.

Segundo o governo, a solução para a problemática está no Projeto de Lei 4.162/2019, que regulamenta o Marco Legal do Saneamento Básico. A nova diretriz se baseou na Medida Provisória 868/2018, que não foi avaliada no Congresso Nacional e perdeu a validade.

Basicamente a nova regulamentação define como meta o ano de 2033 para garantir que 99% da população tenha acesso à água e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Para que essas metas sejam factíveis, a lei prevê o incentivo à concorrência para a prestação de serviços relacionados à água e esgoto.

No atual modelo de contratação, os municípios contratam os serviços das companhias de saneamento em acordos diretos. Com as mudanças no setor, os municípios devem abrir licitações para que empresas públicas ou privadas demonstrem capacidade técnica e financeira para ofertar os serviços.

Dois pontos importantes para a escolha da prestadora são a viabilidade econômica e a garantia do comprometimento com as metas de universalização até 2033. Outro aspecto considerado no projeto de lei é o encerramento da destinação final de resíduos em lixões.

O prazo vai até dezembro de 2021 para capitais e até 2024 para pequenos municípios ou para aqueles que realizaram a previsão em planos de saneamento básico firmados anteriormente.

O fato é que, assim como todas as diretrizes, o marco legal do saneamento básico apresenta aspectos positivos e negativos que devem ser avaliados. Com a estrutura pensada pelo projeto de lei, há um nítido caminho para aumentar investimentos no setor e com eles a geração de empregos, especialmente aos profissionais do saneamento.

Outro ponto positivo está em privilegiar a efetividade na gestão, por meio de contrato somente com empresas que possam comprovar a capacidade de oferecer o serviço e se autogerir. Por outro lado, a abertura ao setor privado pode trazer vulnerabilidade às garantias de qualidade de vida e de acesso a serviços pela população.

Empresas privadas existem pela viabilidade econômica e, levar abastecimento de água e tratamento de esgoto a pequenos municípios, pode não ser vantajoso deixando os interesses da sociedade em segundo plano. Dessa forma é necessário regulamentar e fiscalizar cuidadosamente para que os interesses comuns sejam predominantes em relação aos interesses privados.

Nesse contexto, se considerarmos que a Agência Nacional de Águas, a nova responsável por regulamentar o setor, não possui as estruturas para fiscalizar tarifação e fornecimento, torna-se especialmente preocupante a condição dos mais vulneráveis socialmente.

Apesar do inegável avanço e dos grandes investimentos que a lei pode proporcionar, a meta de universalizar água e esgoto até 2033 é praticamente impossível de ser alcançada, pois resolver várias décadas de problemas estruturais crônicos do saneamento no Brasil em 13 anos demanda mais investimento do que é possível conseguir neste tempo.

Pensando sob a perspectiva da contribuição do projeto de lei, o simples fato de discutirmos essas questões já é de grande valia e, com a fiscalização e efetivação do marco regulatório, temos novamente a chance de voltar a caminhar em direção a condições mais dignas para a sociedade.

*Coordenador do Curso Superior Tecnologia em Saneamento Ambiental na modalidade a distância do Centro Universitário Internacional Uninter e Doutorando em Ecologia e Conservação / Diretor da Escola Superior de Saúde, Biociências, Meio Ambiente e Humanidades do Centro Universitário Internacional Uninter e Pós-Doutor em Educação e Ciências Ambientais

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