Os supremacistas e os protestos antirracistas

21 de julho de 2020 às 0h13

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Crédito: REUTERS/Rebecca Naden

Cesar Vanucci*

“O clamor das ruas exige vacina eficaz contra o vírus do racismo” (Antônio Luiz da Costa, educador)

Aviso ao leitor: o texto da sequência é pura ficção. Aplica-se aqui o dito dos letreiros das fitas de cinema. Qualquer semelhança dos fatos narrados com a realidade é mera coincidência.

Caso é que, transtornado com a avalancha dos protestos nas ruas, o Venerável Grão-Mestre da Ku Klux Klan resolveu convocar, para encontro urgente, o Conselho Supremo da “Ordem dos Patriotas Arianos da Pureza Racial”.

Aos dignitários da KKK, dos “Supremacistas Brancos” e da “Milícia Neonazista Mein Kampf” esclareceu que a reunião seria dedicada a análise das “ilegais passeatas contrárias à ordem constituída e aos saudáveis valores eugênicos”. Recomendou que todos comparecessem devidamente paramentados. Ou seja, em roupagens de gala.

A turma da Klan com as imponentes mantas alvas e capuzes em forma de cone; os demais com vistosas “camisas pardas” adornadas com cruz gamada. Pontualíssimo, o disciplinado time de convidados cumpriu garbosamente o ritual. Todos, na chegada, perfilaram diante da estátua de bronze, de corpo inteiro, do “inolvidável ídolo”, erguendo os braços, batendo calcanhares e bradando, com vozes encharcadas de emoção, o “Heil Hitler!”.

Após evocações aos “excelsos patronos” Nero e Torquemada, o mestre de cerimônia apresentou seu relatório. Informou que tudo começou em Minneapolis, EUA, por conta de “incidente de rua banal”. Ofereceu, “aos companheiros versão fidedigna da história”, registrando que “a realidade vem sendo deturpada pela imprensa corrupta e subversiva”. Contou: “Indivíduo negro, de vida pregressa censurável, afrontou, com intuitos intimidatórios, uma briosa guarnição policial. Defendendo-se da ameaça à sua integridade física, os guardiães da lei, frustrados na tentativa de dissuadir o agressor de seu nefando propósito, viram-se obrigados a subjugá-lo. Como consequência de seu impulso belicoso, o desordeiro foi acometido de mal súbito, vindo a falecer antes que pudesse ser-lhe prestado magnânimo socorro pelos policiais. Dessa ocorrenciazinha valeram-se hordas de arruaceiros, drogados, abortistas, degenerados de todos os graus, das diferentes sub-raças, inimigos da moral e bons costumes, para algazarras de rua, em diversos lugares, até fora do país, vilipendiando caras tradições e salutares conceitos eugênicos de vida”.

Neste ponto, alguém da plateia assinalou que “a maioria dos manifestantes era de gente branca, como nós…” O Venerável interferiu, afirmando que a observação era fruto de “interpretação equivocada”. Ao que outro participante da reunião disse haver identificado, “na multidão, membros de famílias entrosadas com o nosso movimento”.
– “Se isso é real, eles não passam de bastardos, merecedores de severo corretivo”, exclamou, possesso, o Grão-Mestre, determinando prosseguisse a explanação.
Retomando, o expositor destacou que “a sinistra conspiração, alvejando valores sagrados, extrapolou nossas fronteiras”. Explicou: “Delinquentes de outras nacionalidades aderiram a esse processo de negação desagregador do sistema racial puro”.

Mencionou “revoltante lance na Inglaterra, onde a memória de um benfeitor comunitário foi ultrajada.” Prosseguiu: “Baderneiros arrancaram do pedestal, puseram-na a rolar pelas ruas, atirando-a no rio, a estátua de um cidadão honrado, negociador de escravos bem-sucedido, festejado por seu espírito solidário e arrojo empreendedor. Meritoriamente, ele libertou de suas degradantes origens, na África distante, milhares de homens, mulheres e crianças da sub-raça negra. Trouxe-os, em porões de navios, para redentor contato com a civilização. E o que está se vendo, agora, nesses atos repulsivos, é a tentativa de obscurecer um itinerário de vida edificante. A ralé está indo longe demais!” – enfatizou.

Aplausos frenéticos coroaram as palavras. O Grão-Mestre, declarando-se estarrecido, recomendou aos prosélitos que se prevenissem com relação às investidas “dos inimigos da sacrossanta supremacia racial”.

Acrescentou que, “embora as amarguras sofridas, é alentador saber que, em outras paragens do mundo, têm sido detectados sinais promissores de que nem tudo está perdido”. Complementou: “No Brasil, por exemplo, uma facção diminuta, mas resoluta, vem abraçando com singular vibração nossa magnífica concepção de vida. Passo a contar-lhes o que anda rolando naqueles pagos…”

Os “camisas pardas” tupiniquins entrarão em cena no próximo capítulo desta história de ficção.

*Jornalista.(cantonius1@yahoo.com.br)

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