STJ decide sobre cláusula penal para imóvel comprado na planta

15 de maio de 2019 às 0h01

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Para a CMI/Secovi, as vendas de imóveis na faixa de R$ 750 mil a R$ 2 milhões precisam ganhar impulso - Foto: Divulgação

Kênio de Souza Pereira *

Dois temas importantes para todos os adquirentes de imóveis na planta foram analisados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quarta-feira (08/05/2019). A partir de agora, com o posicionamento do STJ, voltarão a ter tramitação milhares de processos que estavam suspensos há dois anos, na 1ª e 2ª Instâncias, aguardando a orientação da Corte Superior.

O primeiro julgamento trata da possibilidade ou não de cumulação da multa prevista no contrato em caso de atraso na entrega da obra, denominada cláusula penal, com o pedido de lucros cessantes (tema 971 do STJ). O segundo (tema 970) refere-se à inversão da cláusula penal moratória prevista no contrato somente em relação ao comprador, isto é, quando o contrato não estabelece sanção para a construtora.

Por se tratar de um assunto extremamente recente, ainda não foi publicado o acórdão do julgamento em questão, mas notícias divulgadas apontam que o entendimento do STJ quanto ao tema 971 foi no sentido da impossibilidade de cumulação da cláusula penal com os lucros cessantes.

Isso significa que compradores de apartamentos na planta que se tornarem vítimas do atraso na entrega do imóvel terão que ingressar em juízo com apenas a aplicação da cláusula penal ou somente os lucros cessantes, e não mais ambos. Nas palavras do Ministro Luiz Felipe Salomão, relator do REsp 1614721 e do REsp 1631485, que resultaram na discussão sobre o tema, “pode sim a parte interessada desprezar a cláusula penal e ingressar com ação requerendo lucros cessantes, mas não pode haver a cumulação”.

Tamanha é a importância do assunto que em 26 de abril de 2017 foi determinada a suspensão de todas as ações no País (1ª e 2ª Instâncias) que discutiam a mesma matéria, a fim de aguardar o julgamento dos dois temas.

No nosso entendimento, a decisão contraria a jurisprudência que já estava consolidada a qual protegia o comprador, pois além de receber um percentual mensal pelo atraso da obra (que antes era de 0,5% a 1% do preço do imóvel), era visto como justo ele receber também uma multa para compensar os transtornos e coibir a postura das construtoras que reiteradamente descumprem o prazo do contrato.

Vemos claramente mais uma vitória do lobby das construtoras e incorporadoras, como ocorreu com a aprovação recente da Lei dos Distratos (Lei nº 13.786, de 27/12/18), pois é ilógico limitar a indenização ao comprador no valor irrisório que passou a ser de apenas 1% do que o comprador tiver pago efetivamente à incorporadora. Quem permanece dois anos ou mais sem onde morar merece uma compensação pelos aborrecimentos e problemas que enfrentou e não apenas uma quantia que na prática gera é lucro para a construtora que tem seu crédito (valor ainda que será quitado na entrega das chaves) corrigido pela inflação, enquanto o comprador tem uma compensação simbólica que lhe acarreta prejuízo com a nova regra criada pelo lobby das construtoras prevista no art. 43-A, § 2º da Lei 13.788/18.

Respaldando tal realidade e a necessidade de permitir a cumulação das penalidades contra as construtoras, a Ministra Nancy Andrighi disse que o entendimento proposto, “admitir a cumulação da cláusula penal moratória com lucros cessantes em caso de atraso na entrega de imóvel, uma vez que a cláusula penal moratória restringe-se a punir apenas o retardo ou a imperfeição da satisfação da obrigação, não funcionando nunca como pré-fixação de perdas e danos”. O ministro Marco Buzzi concordou com a posição da ministra Nancy que visava proteger os consumidores, mas ambos foram vencidos pelos demais ministros do STJ que votaram no sentido de não poder cumular as penalidades contra as construtoras.

A decisão do STJ beneficia as construtoras que insistem em lesar os consumidores que investem seu dinheiro em um bem adquirido como um sonho, mas que se torna um pesadelo diante de atrasos absurdos ocorridos na construção, a qual já tem a benesse de poder atrasar 180 dias sem nada pagar ao comprador. Aquele consumidor que precisar arcar com um aluguel, pelo período em que já era para ter recebido o seu apartamento, terá que escolher entre ser ressarcido numa pequena parcela por esse gasto ou pleitear a multa contratual. Mais uma vez fica claro sobre a importância de o comprador ter seu advogado especializado para que ele insira as cláusulas que o protejam de maneira a equilibrar o contrato que é elaborado pela construtora.

Em relação ao tema 970, sobre a inversão da cláusula penal prevista no contrato exclusivamente para o consumidor, o STJ deixou de definir a tese na ocasião do julgamento, ficando para a próxima sessão, dia 22 de maio, a conclusão do assunto com um posicionamento final sobre o tema.

Entretanto, na discussão sobre a matéria ocorrida no dia 08/05/19, o entendimento estabelecido foi de que deve ser invertida a cláusula penal, para que esta seja aplicada também à construtora. O STJ acerta nesse ponto, sendo correto que a multa que a construtora estipula contra o comprador, no contrato que ela redige, deve ser também a mesma que caberá à construtora pagar, caso ela cometa a infração contratual.  É nítido o desequilíbrio e a ilicitude existentes em um contrato que cria obrigações e penalidades somente para o comprador, que é a parte mais fraca de uma relação contratual, na qual a construtora tem grande poder econômico e maior conhecimento jurídico do negócio.

A multa rescisória é fundamental para inibir a má-fé de construtoras que recebem o dinheiro dos compradores e não o aplica na obra, desviando os recursos para outros negócios, deixando assim de entregar o edifício no prazo ajustado contratualmente. Há milhares de processos judiciais em andamento, que decorrem do descumprimento do prazo e da não entrega dos apartamentos que foram vendidos na planta, sendo injusto o comprador, após lutar durante anos na Justiça para receber o que pagou, tendo gasto com advogados, ver que o construtor deixou de ser responsabilizado por eventuais descumprimentos contratuais. Não se pode premiar com a isenção de punição quem descumpre um contrato e gera prejuízo para o comprador que acreditou na construtora.
 
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

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