Tilden Santiago*
As elites políticas, empresariais, econômicas, sociais, científicas, espirituais são as primeiras responsáveis pela segurança de vida de um povo e pela proteção do meio ambiente que o envolve. O papel do Poder Federal nessa tarefa é constitucional e insubstituível pelo Estado ou pelo Município, que não estão eximidos de dividir a “compaixão, o lamento” e as esperanças, diante dos impactos humanos e ambientais decorrentes de tragédias, que o
Poder maior se mostrou incapaz de encarar, de impedir e evitar.
Se a sociedade civil cruzar os braços diante de um problema, que não é só de Brumadinho e Mariana, nada acontecerá de efetivo em nossas minerações em Minas Gerais e no Brasil. Há muito blá-blá-blá em torno de novas tecnologias para as barragens e endurecimento da legislação. Apesar de sua importância, é hora de evidenciar o papel das ONGs, inclusive internacionais, dos atingidos de barragens, dos sindicatos e federações, de empresários e trabalhadores, das associações comerciais , CDLs e comunidades religiosas, todos interessados numa solução definitiva. Isso faz parte da libertação para a vida dos mesmos. E a libertação de um povo é obra dele mesmo!
O próprio presidente (até quando?) da Vale reconheceu na TV: “Mariana não serviu de lição”. É a segunda catástrofe em três anos, a poucos quilômetros uma da outra, em Minas, na mesma empresa. E o Ibama afirmou publicamente que “nenhuma das 400 barragens é segura”.
Estudiosos em mineração e especialistas em economia de mineradora foram unânimes em Brumadinho, neste fim de semana, em declarar que bastaria diminuir 1% dos lucros para modernizar e liquidar o risco com barragem de tecnologia ultrapassada. Além do benefício humano e da proteção ambiental é a própria vitalidade e continuidade da mineração como empreendimento e valor de mercado na Bolsa que estão em jogo.
É o predomínio do lucro excessivo em Brumadinho como foi em Mariana, prejudicando a imagem da Vale no mercado, no Brasil e no Mundo. Nas décadas de 40 e 50, a Vale era um “mito” para nossa geração, que nos acolhia para trabalhar, os filhos de Nova Era, Coronel Fabriciano, Prata, Antônio Dias, Valadares, Santa Bárbara, São Gonçalo, Piracicaba, Barão de Cocais, Caratinga, Rio Casca, Ponte Nova, Raul Soares, Alvinópolis, Resplendor, Baixo Guandu, em toda a Bacia do Rio Doce, próximo a Itabira do Pico Cauê.
O conterrâneo Eliezer Batista, que presidiu e promoveu a Vale no cenário internacional deve estar dando voltas na sepultura, vendo Brumadinho após Mariana.
De Gaulle afirmou, certa vez, que “le Brésil n’est pás um pays serieu”. Talvez o velho general francês continue a ter razão: Apesar de Mariana, Brumadinho e as devastações na Amazônia e em Mato Grosso do Sul, apesar da insegurança da maioria de nossas barragens, o Brasil acaba de ser apresentado, em Davos, como modelo de política ambiental: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente – o Brasil é um paraíso”. Ousou-se afirmar em pleno Fórum Internacional que sabemos harmonizar desenvolvimento econômico com proteção ambiental!?
Poucos dias depois, a barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho os derrama, contaminando o nosso rio Paraopeba. E tomara que não chegue ao Velho Chico. Tragédia em Brumadinho, comédia em Davos!
No dia em que o projeto ambiental for incluído no próprio projeto de desenvolvimento econômico, de todos os setores produtivos e não apenas da mineração, De Gaulle nos pedirá desculpas, lá dos corredores do infinito. O Brasil que “vale” a pena, quem faz somos nós, o Brasil que pode vir a preservar o meio ambiente.
*Jornalista, embaixador e militante