Um diálogo pela democracia é possível e necessário

10 de junho de 2020 às 0h12

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Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Rodrigo Augusto Prando*

Em recente programa televisivo (07/06/20), uma entrevista foi conduzida pela jornalista Miriam Leitão, tendo como participantes Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes.

O episódio, somando-se a outras iniciativas, parece seguir na direção da construção de uma proposta capaz de gerar uma frente mais ampla de defesa da democracia e de contraposição ao governo Bolsonaro.

A presença dos tarês, de partidos distintos, com perspectivas ideológicas, às vezes distantes, tem um simbolismo interessante de se notar, bem como a presença de Miriam Leitão. Tanto Miriam quanto FHC foram vítimas do arbítrio do Regime Militar, a primeira, presa e torturada; o segundo foi aposentado compulsoriamente logo após conquistar a Cátedra de Ciência Política na USP e, perseguido, teve que se exilar, pois foi proibido de lecionar ou desenvolver pesquisas no Brasil.

Certamente, FHC, com quase 90 anos, teve sua trajetória e compromisso com a democracia reconhecido por ambos, Ciro e Marina. Ciro, no início e no final da entrevista, fez questão de destacar que, em muitos casos, esteve em lado oposto de FHC e, ainda, o tratou com dureza, ainda que no campo das ideias, segundo ele.

Marina, por sua vez, rememorou que durante o governo FHC foi recebida pelo presidente mesmo sendo uma senadora do PT e, mais que isso, destacou o auxílio dele na criação da primeira linha de crédito para os extrativistas da Amazônia.

Infelizmente, no Brasil, há tempos, nega-se a importância da política, os adversários são convertidos em inimigos e, por isso, interditam-se o diálogo e a construção de consensos.

Assim, esse encontro de três atores políticos – Ciro e Marina ainda na ativa e FHC afastado da vida partidária – traz, aos democratas, esperanças de novas pontes e não apenas da solidez de muros que os separaram nos últimos anos.

A democracia, em primeiro plano, foi, por todos, objeto de ponderações e destacada sua importância para a vida política e da própria oxigenação da sociedade, com liberdade, respeito às leis e às instituições.

Foram, também, enfatizadas as questões atinentes aos direitos das minorias, as desigualdades estruturais da sociedade brasileira e o vácuo de liderança neste singular e cruel momento pandêmico, conjugando crises de saúde, econômica, política, institucional e, potencialmente, uma profunda crise social a ganhar forma no futuro próximo.

Após a exibição do programa, comentários pulularam nas redes sociais.
Dois grupos não gostaram: os bolsonaristas e os petistas. Os primeiros, por questões óbvias; os segundos, petistas, por indicarem ter ocorrido um boicote da rede de televisão ao não convidar Fernando Haddad. Creio, até, que Haddad se disporia a sentar-se com os três.

Até porque o petista, inclusive, assinou manifesto no qual seu nome saiu ao lado do de FHC. Diferentemente de Haddad, Lula asseverou que não assinaria manifestos com algumas pessoas e, especialmente, afirmou que FHC e Temer não seriam democratas.

Para o lulopetismo, os interesses pessoais e do partido estão acima da democracia e da sociedade brasileira, ao que parece.

Marina, FHC e Ciro demonstraram que o diálogo pela democracia não é apenas possível, mas urgentemente necessário. Ali, na conversa, fica cristalina a posição de que, numa democracia, deve prevalecer a força do argumento e não o argumento da força. E esse diálogo deve ser obra dos democratas, independente de coloração partidária. A sociedade e os seus atores vão se movimentando no tabuleiro da política.

* Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia

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