Trade turístico teme mudanças que virão com o “novo normal”

28 de maio de 2020 às 0h19

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Crédito: PBH/Ascom

É certo que o setor produtivo, em sua maioria, não conseguiu passar incólume ao desastre econômico gerado pela pandemia do Covid-19. Excetuando poucos, como o farmacêutico, por exemplo, a esmagadora maioria viu suas atividades reduzidas drasticamente de dezembro do ano passado para cá.

No Brasil, o caos chegou em março, quando foram impostas as primeiras medidas de restrição de deslocamento. E assim, como no resto do mundo, o turismo foi o primeiro a dar sinais de que essa seria uma crise longa e muito grave, com consequências pouco claras e de alcance ainda não experimentado na história contemporânea da humanidade.

Sem poderem sair de casa, viajantes aposentaram malas e abandonaram passaportes e cartões de milhas no fundo das gavetas. O feriado da Semana Santa, na segunda semana de abril, não teve os tradicionais engarrafamentos quilométricos mostrados nos telejornais e as cidades históricas não brilharam com suas cerimônias centenárias que marcam a semana mais importante do ano para os cristãos.

Tão pouco o 21 de abril registrou praias lotadas no enorme e majestoso litoral brasileiro. O dia do trabalho, em uma sexta-feira, ideal para aquela esticada, também não lotou rodoviárias e, o Dia das Mães, não fez a festa dos donos de bares e restaurantes.

De acordo com um estudo realizado pela Accenture, o setor de turismo sofreu impacto de 75% em seu faturamento por conta da cautela dos clientes, que passaram a diminuir gastos pessoais durante o isolamento social.

A pesquisa, que mapeia os impactos da pandemia na indústria de pagamentos pelo mundo, mostrou que o turismo liderou a baixa, seguido por vestuário (-66%) e bares e restaurantes (-60%).

Um diagnóstico amplo da atual situação do turismo face à crise social e econômica gerada pela disseminação do coronavírus foi realizado pela Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult), em abril, por meio do Observatório do Turismo de Minas Gerais (OTMG).

A ação foi elaborada em conjunto com a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) e a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e articulada com a Rede Brasileira de Observatórios de Turismo.

O questionário, aplicado entre 13 e 27 de abril, contemplou questões referentes a fluxo, faturamento e emprego nas empresas, tanto no setor turístico quanto na economia criativa. As perguntas foram direcionadas a agências e operadoras, bares e lanchonetes, e aos empreendimentos ligados a eventos, hospedagem, consultoria, restaurantes, atrativos, parques e transportadoras. Mais de 4 mil respostas foram validadas.

Segundo o estudo, em Minas Gerais, para 32,5% das empresas, o impacto foi de 100% no faturamento no mês de abril. Para maio, a projeção desse percentual é de 25,8%. Diante do cenário de incertezas, 38,36% afirmaram que não alteraram seus preços. Para aqueles que responderam que diminuíram preços (26,16%), houve redução de até 25%.

Sobre os impactos na receita anual ou no faturamento, 22,16% dos entrevistados estimam redução entre 26% e 50%. Para 33,52%, a estimativa de redução do faturamento fica entre 51% a 75%. Já para 36,5% dos entrevistados, a redução pode ser superior a 75%. Ou seja, mais da metade dos empresários mineiros do turismo estima que sua arrecadação anual vá cair em mais de 50%.

Apesar das projeções de redução no faturamento, mais da metade dos entrevistados (58%) afirmou que não havia realizado ou não pretendia fazer redução do quadro de funcionários.

Na visão dos empreendedores turísticos, ainda de acordo com a pesquisa, a recuperação do setor será mais forte a partir de 2021. É o que apontam 51,3% dos entrevistados. Já para 18,25% deles, essa retomada econômica tende a acontecer ainda neste ano.

Com o intuito de mitigar os impactos no setor ao longo desse período, muitos entrevistados pontuaram algumas ações que já estão tomando para manter atividade aquecida. Entre as iniciativas citadas estão promoções, remarcações, adiamentos de serviços, parcerias com outras empresas, serviços de entrega, comercialização via vouchers, entre outras.

Diante dos números e do fato de que o novo coronavírus, de acordo com as autoridades mundiais da saúde, pode circular pelos próximos dois anos, impondo períodos de maior ou menor fechamento social, e que pandemias com as mesmas características podem se tornar comuns, a cadeia produtiva do turismo amarga incertezas como a data de volta às atividades e a disposição dos turistas a retornarem à rotina de viagens.

Junte-se ao caldeirão que anuncia o “novo normal” do turismo no Brasil e no mundo, a obrigação de – como todos os outros setores -, investir na digitalização dos processos, ao mesmo tempo que a receita vai praticamente a zero, e a lutar pela manutenção dos valores das tarifas diante de uma economia descapitalizada e a um aumento de custo com os novos protocolos de higiene.

Retomada das atividades no País deve se dar em três etapas

Viajantes a lazer devem compor 1ª etapa, diz Guimarães | Crédito: Divulgação

O hiato de tempo entre o conhecimento do novo coronavírus na China, em dezembro, e as primeiras notificações do Covid-19 ao Brasil, em março, deu ao turismo nacional a oportunidade de observar o comportamento dos consumidores asiáticos e europeus e também as estratégias lançadas pelas cadeias produtivas dos dois continentes. É certo que as populações não têm reações idênticas, porém observar o que acontece no mundo pode dar diretrizes ao trade brasileiro.

O mercado mais adiantado na retomada é o chinês. Por lá, é o turismo de lazer que primeiro voltou a funcionar. Enquanto as empresas contabilizam prejuízos e tentam reorganizar, minimamente, o orçamento, controlando custos – inclusive cortando viagens – o cidadão médio chinês não via a hora de colocar “o pé na estrada”.

Essa vontade de passear, porém, veio embalada por uma nova normalidade, que inclui um rígido protocolo de higiene e segurança, receio quanto a meios de transportes com alta lotação e, assim, a valorização de destinos mais próximos de casa e menos “badalados”. A aposta dos empresários, lá e aqui, é na valorização de destinos secundários e hotéis que ofereçam amplas áreas verdes e serviços personalizados.

De acordo com o CEO da VisitNow e diretor de Vendas e Marketing da Vert Hotéis, Bruno Guimarães, a retomada deve se dar em três blocos: o primeiro será formado pelos viajantes a lazer – “quem está louco para viajar e quem vai ter que visitar alguém que não vê há muito tempo. Esse vai ser o primeiro grupo que vai procurar o turismo e os hotéis”.

O segundo bloco: empresas que vão retomar negócios. “As pequenas e médias empresas vão ter que viajar por uma questão de sobrevivência, já as multinacionais são as que vão demorar mais, talvez só no fim do ano que vem”. E, por fim, os eventos corporativos. “Esses são a maior incógnita, porque são muito atrelados às determinações das entidades de saúde”.

RETOMADA DAS VIAGENS

• 1º- Viajantes a lazer (pequenos trechos);
• 2º- Pequenas e médias empresas que vão retomar os negócios;
• 3º- Turismo de negócios.

“A parte de A&B (alimentação de bebidas) vai sofrer muito nos hotéis. Vai voltar pro a la carte e reforçar room service. Tudo isso é custo, exigindo mais gente no salão, no atendimento. O receio dos hoteleiros é quando essa conta do aumento das equipes e insumos para higienização. Paralelo a isso, mas é inevitável, terão um achatamento da tarifa. O cliente não vai ter dinheiro para pagar. O turista também vai observar muito essa qualidade, tendendo a olhar mais para os hotéis independentes e marcas locais”, alerta Guimarães.

Mesmo ainda vivendo a fase mais aguda da crise, o segmento hoteleiro já se movimenta para uma retomada lenta e por fases. A expectativa de que o turismo doméstico seja a mola propulsora dessa volta deve direcionar os esforços de comunicação para os públicos mais próximos e fortalecer os canais próprios de vendas.

Nesse sentido, o balanço geral do turismo brasileiro, que pouco dependia dos viajantes estrangeiros, pode apresentar uma vantagem em relação a outros destinos mundiais na sua recuperação. O mesmo vale para Minas Gerais, que tem muito mais força no turismo interno do que na atração de visitantes de outros estados ou países.

Novo posicionamento – “O hoteleiro vai ter que olhar para o entorno. Hoje, o raio de ação de atuação é menor e, por isso, mais barato. Vamos continuar convivendo com a pandemia por bastante tempo. Temos que achar alternativas. Nessa reinvenção, o Brasil vai ter uma oportunidade para se vender. É momento de fortalecer a marca e os destinos no Brasil para o brasileiro. Fortalecer o turismo doméstico”, avalia o CEO da VistNow.

O diretor de Operações do Grupo Tauá de Hotéis, Felipe Castro, está de acordo com o novo normal. Após dois meses fechados, os resorts do grupo, a começar pela unidade de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), começaram a retomar suas atividades gradualmente, na primeira semana de maio, de acordo com as recomendações dos órgãos de saúde locais. O processo, cercado de cuidados, começou apenas com 20% da capacidade liberada e atividades restritas.

“Esse é um momento muito importante. Qualquer empresa precisa se concentrar em preservar o fluxo de caixa. Nunca imaginamos que ficaríamos quase 60 dias parados. Tínhamos uma empresa saudável e com planos de investimentos. Durante essa quarentena, nos reorganizamos e acreditamos em uma volta gradual do turismo no último trimestre. O segmento de lazer deve reagir mais rápido que o corporativo, mas tudo será aos poucos. O turismo nacional pode se aquecer no fim do ano, porque muita gente não vai viajar para fora por causa do desemprego e da alta do dólar. Temos uma perspectiva positiva para 2021”, explica Castro.

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