A difícil missão de Regina Duarte

11 de fevereiro de 2020 às 0h01

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Crédito: Divulgação

Cesar Vanucci *

“A cultura é a soma de todas as formas de arte, de amor e de pensamento.” (André Malraux)

O exercício efetivo da função de titular na Secretaria (ou Ministério) da Cultura vai exigir da simpática Regina Duarte, no escorregadio e efervescente palco político-administrativo, uma atuação que nada fique a dever aos desempenhos que a consagraram como atriz no plano ficcional encantado da dramaturgia televisiva e teatral. O enredo que lhe está sendo proposto requer da protagonista, para que a interpretação saia a contento geral, talento, tirocínio, bom senso, serenidade, sensibilidade, domínio pleno dos gestos e palavras. E “jogo de cintura”, muito “jogo de cintura”, como se costuma dizer no papear das ruas…

Na opinião de um bocado de gente familiarizada com as tricas e futricas do ambiente político e com a esfuziante lida cultural, a “namoradinha do Brasil” pegou uma parada torta. Vai ter que demonstrar enorme habilidade pra descascar o ananás que lhe foi colocado nas mãos. Terá, de um lado, a vigiar-lhe os passos com zelo sufocante, as falanges talibanistas que mantêm, permanentemente, com propósitos revisionistas, olhares de suspeita e desconfiança focados em tudo aquilo que não se enquadre nas rígidas normas de sua ortodoxia ideológica. Essa postura fundamentalista, como público e notório, entra em rota de colisão constante com a liberdade de criação artística e com a livre manifestação das ideias, comprometendo o bom diálogo democrático.

Existe, de outra parte, em círculos humanísticos ligados às letras e artes, uma expectativa muito grande quanto ao que será executado, à frente da pasta, por alguém do ramo, provida das credenciais ostentadas pela famosa artista. O mundo cultural, em todas suas variadas modalidades de expressão, é marcado pelas diversidades no campo das ideias. Essas diversidades remetem, compreensivelmente, a divergências e antagonismos ocasionais, passageiros, que acabam sendo absorvidos, no mais das vezes, no dia a dia das realizações. Não há como desconhecer, entretanto, que, neste preciso instante, no meio cultural, nada obstante essa multiplicidade de tendências, subsiste apreensão generalizada quanto ao que será promovido, pela nova gestão, em favor de uma desejável conciliação de interesses que venha a favorecer a execução de uma política cultural realmente representativa do sentimento nacional.

De um algum tempo para cá, os setores que respondem pelas políticas culturais na esfera oficial têm se primado por ignorar  – e até mesmo hostilizar abertamente – conquistas culturais relevantes. São oferecidas, nas entrelinhas, alegações nada convincentes para esse comportamento equivocado. Comportamento esse de visível conotação político-partidária. Algo que molesta o ideal democrático e os postulados republicanos.

Os elementos que atuam nesses setores fingem desconhecer fatos e iniciativas culturais da maior significação e retumbância. Alinhamos abaixo, entre muitos outros, alguns frisantes exemplos. Autor e compositor brasileiro consagrado, Chico Buarque de Holanda arrebatou o cobiçado Prêmio Camões de Literatura. O talento de numerosos cineastas patrícios vem sendo cantado em verso e prosa nas mais importantes mostras fílmicas realizadas no mundo.  Artistas da televisão foram agraciados, recentemente, com lauréis do mais alto valor, em competições internacionais. Dos registros oficiais nada consta, todavia, a respeito desses feitos triunfantes, que engrandecem a cultura brasileira e enchem de júbilo a alma popular. Forçoso e penoso admitir que se trata de uma mesquinha desconsideração para com brasileiros que enaltecem sua pátria.

A cultura é uma projeção luminosa dos saberes, sentimentos, costumes que os seres humanos conduzem em sua caminhada existencial. É um elemento imprescindível no processo da evolução civilizatória. Desdenhar a cultura é típico de gente com inclinação autoritária. Herman Goehring, segundo em graduação na sinistra cúpula nazista, deixou uma frase tristemente célebre sobre como a cultura é encarada em ambientes onde são rejeitados os preceitos democráticos e humanísticos: “Quando ouço alguém falar em cultura, puxo do meu revólver.” A imbecilidade proferida provocou magistral réplica do pensador Louis Pauwels: “Quando me falam em revólver, puxo a minha cultura.”

Os desejos mais ardentes da sociedade brasileira é de que não falte apoio a Regina Duarte para levar a bom termo sua missão. Mas não deixa de ser sintomática a circunstância de ela ver-se obrigada, já no primeiro ato de gestão, a abrir mão do concurso de uma colaboradora, de sua própria indicação, pessoa ao que tudo indica vinculada à aguerrida turma fundamentalista e que, já na primeira hora, revelou-se inabilitada para o cargo.

Esse pessoal não brinca em serviço. É só lembrar das aprontações, indoutrodia,  dos “quase titulares” da Secretaria da Cultura e da Fundação Palmares, ambos os dois militantes de carteirinha do grupo…

* Jornalista, Presidente da Academia Municipalista de Letras (cantonius1@yahoo.com.br)

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