O Corvo (XXV)

1 de junho de 2019

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Crédito: Divulgação

Marco Guimarães *

— Eu procuro por Alzira, ela mora aqui, não mora?
— Ahã, sou eu mesma.
— Pois é, eu peguei o balão com o seu bilhete, fiquei curioso e…
— Ah, você o encontrou… Aquilo foi uma brincadeira. Fico aqui sozinha e resolvi mandar um bilhete pelo balão que os amigos de meu pai soltaram. Não esperava que alguém o pegasse e muito menos que viesse até aqui.
— Então porque o enviou?
— Para ter uma esperança.
— Uma esperança? Mas acabou de dizer que não esperava que alguém o encontrasse.
— É, meio doido, não é? Mesmo pensando que ninguém o encontraria, ainda restaria uma pequena esperança dentro de mim, de que alguém pudesse encontrá-lo, entende?
— É tipo uma incerteza dentro de uma quase certeza? — perguntei.
— Ahã. É, acho que é isso mesmo. Bem, me chamo Alzira.
— Eu sei, você escreveu o seu nome no bilhete,

não se lembra?
— É claro, esqueci — diz ela, dando um sorriso.
— Eu me chamo Maurice e moro do outro lado da montanha.
— Maurice? Que nome estranho.
— Bem, aqui seria Maurício, mas minha mãe, que é francesa, cismou de me batizar com o nome francês, afinal, moro na França desde pequeno.
— E seu pai, é francês também?
— Não, ele era brasileiro.
— Era, ué? Não é mais?
— Acho que ele morreu.
— Você não tem certeza?
— Minha mãe me contou que quando eu tava pra nascer, sabe, vieram uns homens e o levaram à força; nunca mais soubemos dele. Minha mãe ainda ficou aqui uns anos, na esperança de que ele um dia voltasse. Mas ele não voltou. Aí depois ela se mudou para Paris. Eu ainda era pequeno.
— Ah, pensei que você morasse do outro lado da montanha.
— Meus avós, pais de meu pai, é que moram lá. Uma vez por ano, a gente vem aqui para vê-los.
— Pois é, sempre tive vontade de descobrir o que há do outro lado dessa montanha. Quando os balões vindos de lá caem aqui, corro para ver se também trazem algum bilhete com alguma notícia.
— Eu também tenho o costume de enviar bilhetes, não em balões, mas nas pipas. Ao contrário dos seus bilhetes, que podem encontrar um destinatário, ninguém poderá encontrar os meus, talvez somente os anjos.
— Os anjos?
— É, os anjos, mas deixa pra lá, vai ficar difícil para eu explicar e mais difícil ainda para você entender.
— Ah, você se esqueceu de uma coisa. Se a sua pipa voar, quem a encontrar poderá ver os seus bilhetes.
— Isso só aconteceu uma vez. Mas acho que você tá certa.
— Foi difícil chegar até a minha casa?
— Nem tanto, ainda que aqui, como lá do outro lado, haja muitas árvores que se juntam ao longo da estrada, formando uma pequena floresta.
— E como a estrada é de terra, quando passa algum carro por aqui levanta uma poeira danada, e aí as folhas das árvores ficam todas amarronzadas.
— Igualzinho lá, e quando chove a água da chuva leva toda a poeira depositada nas folhas. Então, minha mãe me diz que a água da chuva acaba levando com ela também a tristeza das pessoas.

  • Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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