STF anula decisão da Lava Jato

3 de setembro de 2019 às 0h01

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Crédito: Divulgação

Bady Curi Neto *

A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, anulou a sentença proferida, em primeira instância, pelo então juiz federal Sergio Moro que condenou o ex-presidente do Banco do Brasil (BB) e da Petrobras, Aldemir Bendine, nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Conforme divulgado pela imprensa, a condenação ocorreu em função da defesa de Bendine ter sido obrigada a apresentar suas alegações finais junto à dos corréus, que haviam se beneficiado pelo instituto da delação premiada, apresentando provas contra o ex-presidente do BB e da Petrobras.

Seguro do direito constitucional de rebater toda a carga acusatória que recai sobre si, Bendine argumentou que a apresentação simultânea de suas alegações finais junto à do delator configura cerceamento de defesa.

A matéria técnica processual-constitucional ventilada pela defesa realmente é nova, tendo em vista que o instituto da delação premiada permite que haja vários réus em um mesmo processo, em condições distintas, alguns como delatores/colaboradores e outros não.

O artigo 11º da Lei 8.038/1990 dispõe que “serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas”.

A lei posterior, que regulamentou as delações premiadas, não fez distinção entre réus colaboradores ou não. Portanto, em uma leitura simplista da normativa processual penal, é possível afirmar que a legislação é clara e objetiva, estabelecendo que o Estado acusador deve manifestar primeiro e o réu (ou os réus) por último.

Porém, a interpretação simplista, quase sempre, leva à precipitação decisória, culminando em um atropelamento dos direitos e garantias constitucionais, desaguando em injustiças.

Não se pode esquecer que a legislação deve ser interpretada em conformidade com a Lei Maior, objetivando a manutenção e efetivação da Constituição e seus princípios que norteiam todo o arcabouço normativo. O próprio art. 3º do Código de Processo Penal (CPP) preceitua que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

A legislação processual penal, ao estabelecer que a acusação deve se manifestar primeiro, depois a defesa, concede ao acusado o direito de defender-se de toda as provas que recaiam sobre ele. A observância desta premissa está em consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Permitir a defesa, alegações finais ou outras peças processuais sejam apresentadas simultaneamente pelo réu delator e o corréu delatado, apenas por estarem no mesmo polo da relação processual, a meu ver, é cercear o direito deste de refutar as acusações e provas dirigidas pelo réu colaborador.

O instituto da delação premiada (Lei 12.850/2013), recentemente aplicado, trouxe consigo algumas dúvidas como bem ponderou Gilmar Mendes em seu voto ao reconhecer “que é tema difícil porque a questão se coloca a partir dessa ‘via crucis’ nova, por conta do uso do instituto da colaboração premiada e desse aprendizado institucional que estamos a desenvolver”.

A ministra Cármen Lúcia também reconheceu esta distinção ao declarar que “o processo chegou onde chegou por causa do colaborador. Não vejo que estejam na mesmíssima condição”.

Não se combate corrupção com afronta ao direito de defesa e ao contraditório, sob pena de estarmos diante de um Estado judicialesco ou uma ditadura judicial. Lembrando as palavras de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.

*Advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG)

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