Um ano da tragédia de Brumadinho

25 de janeiro de 2020 às 0h01

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Crédito: Washington Alves/Reuters

Marina Spínola *

“Da noite para o dia, perdi 150 amigos. Você já imaginou a sensação de perder, em questão de minutos, uma centena e meia de contatos no seu celular?” O desabafo é de Josiane Melo, 37 anos, nascida e criada em Brumadinho. Funcionária da Vale há mais de dez anos, a engenheira civil trabalhava na mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Além dos colegas de trabalho, ela também perdeu na enxurrada de lama, sua irmã Eliane Melo, grávida da primeira filha, que trabalhava na mineradora há pouco tempo.

O alarme, que deveria ter tocado na mina da cidade vizinha, deixou a Fundação Dom Cabral em estado de alerta. A lama que invadiu casas e destruiu sonhos atingiu uma das crenças fundamentais da instituição, que tem no seu DNA o senso de utilidade social e o compromisso ético com o desenvolvimento da sociedade – a de que os negócios devem ser dignos geradores de desenvolvimento econômico e promotores do bem-estar social.

Não se trata de julgar ou criminalizar setores e agentes produtivos. É inegável a relevância da atividade minerária para a economia nacional e, em especial, para Minas Gerais. Mas é crucial aprofundar a reflexão. A tragédia ocorrida há um ano expõe a necessidade de compreendermos melhor os dois polos antagônicos que precisam aprender a coexistir no mundo dos negócios: de um lado, a prosperidade econômica e, do outro, o desenvolvimento e a inclusão social.

O desastre em Brumadinho provocou, portanto, uma tomada de consciência sobre o senso de urgência e a razão de ser dos líderes e das organizações. No caso da FDC, radicalizou o nosso entendimento acerca da utilidade da instituição, e definimos ações de curto, médio e longo prazos.

A instituição tem buscado contribuir com organizações e líderes da mineração e de outros setores, dispostos a tomarem consciência de seu papel de construtores de uma cultura de paz e de legados sociais, ultrapassando os muros de suas organizações e colaborando para sociedades mais prósperas e dignas. Programas e metodologias educacionais estão sendo revistos, ajustados e até mesmo reinventados, para inspirar executivos e gestores públicos a provocarem transformações positivas na sociedade e nos cidadãos.

No curto prazo, os dramas e as angústias das vítimas de Brumadinho e de seus familiares exigiram da FDC uma demonstração prática de seu compromisso ético com o desenvolvimento social. Encontramos uma cidade não apenas abalada pela tragédia da lama, mas também tomada pelo luto e pelo sentimento de injustiça.

Diante desse cenário crítico, as intenções da FDC foram fortalecidas. Era urgente exercitar o propósito e a razão de ser da instituição junto àquela comunidade imersa no sofrimento. E decidimos utilizar a arte como forma de nutrir a esperança dos moradores, acolhendo sua dor e ajudando as vítimas e as famílias a encontrarem forças para recomeçar. A instituição abraçou a ideia trazida por um ex-participante de seus programas, que a convidou a integrar uma rede de apoio voluntário a Brumadinho. E, assim, desenvolvemos o projeto “A Arte Abraça Brumadinho”, que realizou, ao longo do último ano, ações culturais. O projeto articulou uma aliança de voluntários de todo o Brasil, para a realização de espetáculos musicais, teatro e cinema, como forma de reparação da dor e ressignificação das perdas.

Um ano depois da tragédia em Brumadinho, muito já foi visto, avaliado e decidido. E mais ainda será discutido, analisado e julgado. Josiane, a engenheira que perdeu a irmã e mais 150 colegas de trabalho na tragédia, segue na tentativa de encontrar um caminho em meio ao mar de lama daquele 25 de janeiro. Juntamente com outros companheiros de dor, criou a Associação dos Familiares das Vítimas (Avabrum). Encontrou força e inspiração na luta coletiva, mobilizando outras vítimas, dando voz à dor das famílias e convocando cada um de nós a fazer a diferença.

Muitas vezes, a indignação dá espaço à frustração e, neste embate, ela busca sinais de mudança nos líderes e nas organizações, certa de que a única crise insuportável é aquela que não nos possibilita o encontro com o nosso propósito. E, com ela, Brumadinho nos lança o desafio: o que mais precisa acontecer para que as empresas e seus líderes deixem mais do que retiram das comunidades onde operam?

Os acontecimentos de Brumadinho conclamam uma ação que faça diferença na construção de uma sociedade em que os negócios deixem legados significativos, positivos e estimuladores para uma vida digna de todos os seus cidadãos.

* Diretora de Relações Corporativas da Fundação Dom Cabral

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