Brasília – A nove meses das eleições municipais e cada vez mais convicto de que a Aliança pelo Brasil não sairá do papel a tempo de entrar na disputa, o presidente Jair Bolsonaro tem indicado uma guinada na estratégia que adotará na corrida deste ano.
As consequências negativas para uma eventual reeleição em 2022 levaram Bolsonaro a acatar – ao menos oficialmente – a orientação de auxiliares de não subir em palanques de candidatos a prefeitos.
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“Se meu partido não tiver candidato, não vou me meter em política municipal no corrente ano, ponto final”, disse Bolsonaro na quarta-feira (15).
Em conversas reservadas na semana passada, Bolsonaro teria admitido em tom mais enfático que são remotas as chances de conseguir viabilizar a legenda a tempo de participar da disputa deste ano.
Para que a Aliança obtenha seu registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e possa entrar na corrida, é preciso reunir 492 mil assinaturas até o início de abril.
Embora os entusiastas da agremiação estejam propagando otimismo em relação à coleta de apoio, pessoas que acompanham de perto o processo de fundação admitem que a Aliança só nascerá em meados de junho ou julho.
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Diante desse cenário, aliados de Bolsonaro dizem que o próprio presidente não estaria tão interessado em tirar a agremiação do papel tão rapidamente.
A avaliação que tem sido repetida é a de que, hoje, a presença de Bolsonaro em palanques pelo País traria mais prejuízo do que benefícios ao governo e à imagem do presidente.
De acordo com relatos feitos à reportagem, Bolsonaro tem demonstrado especial incômodo com o quadro eleitoral no Rio de Janeiro.
Embora tenha feito gestos ao deputado federal Otoni de Paula (PSC), o presidente admite dificuldade de não estar no palanque do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) – sobrinho de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus.
A saia-justa, dizem pessoas próximas a Bolsonaro, seria a impossibilidade de dizer não ao pastor aliado e, consequentemente, defender uma gestão mal avaliada.
Hoje, o diagnóstico do grupo ligado ao presidente é o de que o desempenho de Crivella na capital fluminense pode beneficiar candidatos de esquerda, como Marcelo Freixo (PSOL).
Ter o carimbo de uma eventual derrota para um dos principais líderes da oposição ao governo não está nos planos de Bolsonaro, dizem aliados do presidente.
A reportagem apurou que tanto Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) como Onyx Lorenzoni (Casa Civil), responsáveis pela interlocução do Executivo com o Legislativo, sugeriram ao presidente que ele se mantenha isento na eleição deste ano.
Além de eventuais derrotas de candidatos alçados pelo bolsonarismo serem consideradas fracasso do presidente como cabo eleitoral, o próprio Bolsonaro já teria ponderado que qualquer deslize na administração de um prefeito apadrinhado por ele pode vir a ser debitada em sua conta na próxima eleição presidencial.
“Às vezes você elege um cara em uma capital aí, se o cara fizer besteira, você vai apanhar na campanha de 2022 todinha”, disse Bolsonaro em dezembro, quando recebeu jornalistas no Palácio do Alvorada.
Colisão – Outro cenário que tem sido avaliado é o de que, ao abraçar o candidato de um partido que não seja da Aliança, Bolsonaro poderia entrar em rota de colisão com as demais siglas daquela disputa – o que prejudicaria ainda mais sua já conturbada relação com o Congresso, onde não tem uma base formal de apoio.
Nessa perspectiva, o caso mais emblemático, segundo dirigentes partidários e líderes políticos ouvidos pela reportagem, também seria o do Rio – berço político do clã Bolsonaro.
O apoio do presidente a outro candidato que não Eduardo Paes (DEM) o colocaria em lado oposto a Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comandará a Câmara até janeiro de 2021.
“Duvido que ele vá se indispor com outras legendas em função de qualquer candidatura. Dos 53 deputados do PSL, ele não tem mais metade. Dos 4 senadores, tem o Flávio [Bolsonaro, seu filho], que, com todo desgaste que tem, é mais peso do que plataforma”, disse o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).
O temor no Executivo é que os adversários de candidatos do presidente travem a agenda do governo no Congresso como forma de retaliação, comprometendo as reformas administrativa e tributária.
A melhoria do ambiente econômico em consequência da aprovação desta agenda é tida como essencial para a tentativa de recondução do presidente.
Pessoas próximas a Bolsonaro no Planalto e na Aliança dizem, no entanto, que ele é intempestivo e pode não resistir à tentação de entrar em algumas campanhas.
No ano passado, antes de anunciar a intenção de criar uma nova legenda, Bolsonaro dizia que pretendia atuar como cabo eleitoral na campanha municipal em uma tentativa de manter a polarização que o levou à Presidência.
O objetivo era o de enfraquecer a esquerda e construir uma rede de apoio municipal que lhe desse condições de viabilizar a reeleição. (Folhapress)